Minha vida lá

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Por Marcos Muniz, Maria das Graças Quintão, Maria das Graças Lima Bento, Sérvulo Caetano da Silva e Silvana Aparecida da Silva

Com o apoio de Ana Laura Rangel, Daniela Felix e Silmara Filgueiras

Fotos: Daniela Felix e Sergio Papagaio

Vídeo: Daniela Felix e Larissa Pinto

A memória é uma forma de viver e de refazer o passado, de lembrar fatos ocorridos e de sentir, no presente, as condições que dão sentido a uma vida. Trata-se de um modo de configurar a identidade de alguém ou de uma comunidade, um jeito singular de habitar um espaço e, ainda, de projetar expectativas para o futuro.

Os atingidos, cada um a seu modo,  guardam histórias que foram construídas nas comunidades às quais pertencem. A onda de lama foi forte, mas não o bastante para diminuir essas recordações. É desse lugar que muitos tiram energia para enfrentar um cotidiano de adversidades.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row css=”.vc_custom_1516107766703{margin-top: 24px !important;}”][vc_column][thb_border][vc_column_text]Sou nascido e criado em Paracatu. Na época em que nasci, a casa era feita de barro e ripa de bambu amarrados com cipó. Era uma pobreza perigosa. A vida melhorou e o povo ainda acha que tá ruim. Eu morava na chegada de Paracatu, tinha uns oito vizinhos ou mais. Lá não tinha luz não, noislumiava’ com querosene. A rua não tinha nome, aí colocamos “São Caetano”, porque meu pai se chamava Caetano e todo mundo gostava dele. A gente trabalhava na casa de fazendeiros. Pra comer, eles sentavam em um lugar e os pobres sentavam em outro. Muita gente só comia sopa de banana verde, bambá de couve e canjiquinha, enquanto os fazendeiros comiam mesmo era macarronada – antigamente se fazia com urucum socado. Certas coisas melhoraram bem. Não tenho vergonha de falar, mas não tínhamos roupa, nem calçado, usávamos um pedaço de plástico que, quando pisava, olhávamos na areia pra ver se o rastro tava bonito. Tinha também um tal de “urucubaca” [calçado] feito de sola de piteira com lona por cima. Era bom pra esquentar o pé, mas tinha que ficar veiaco pra não escorregar e cair.

Nunca fui de trabalhar muito com criação não. Gostava de trabalhar com tropa de burro. Em Paracatu, as pessoas trabalhavam mais pro mato afora, catando lenha e fazendo carvão, na roça dos outros, roçando pasto, fazendo cerca. Lá era assim, se você tinha um terreno grande, eu plantava meiado com você, depois, a gente colhia e repartia.

Eu tinha uma horta grande, sou pai de sete filhos. Todo final de semana, a casa tava cheia de gente. Iam os filhos com a família e todo mundo comia e bebia. Quando iam embora, levavam pra casa um pouco do que tinha na horta e nas plantações. Se sobrasse algo, davam pra alguém que tivesse precisando. Era tudo assim, a gente compartilhava. Era gostosa a vida assim.

Sérvulo, Paracatu de Baixo

[/vc_column_text][/thb_border][/vc_column][/vc_row][vc_row css=”.vc_custom_1516107784546{margin-top: 24px !important;}”][vc_column width=”2/3″][thb_border][vc_column_text]Eu fui morar em Gesteira quando tinha 17 anos. Lá foi onde construí meus sonhos, minha família. Tínhamos tudo por perto: amigos, família, igreja, enfim, nosso meio social. A barragem de 2015 veio pra nos separar. Hoje, pelo que a gente vê, eles fizeram as destruições, mas não estão preocupados com o que a comunidade está passando. São pessoas que não tiveram suas casas de volta e também não sabem quando vão voltar.  Convivi ali por muito tempo e não tem como voltar. A gente só espera algo que possa ser feito por todos da comunidade, pessoas que sofrem por um desastre que eles poderiam ter evitado. Não perdemos a esperança, mas sei que Gesteira, como era antes, não vamos ter de volta. Quero que eles reconheçam que eles acabaram com o nosso convívio social e que, até agora, nada foi feito por nós. Cada um quer seu lar para reconstruir os sonhos e ter tudo o que a gente viveu de volta.

Silvana Aparecida da Silva, Gesteira

[/vc_column_text][/thb_border][/vc_column][vc_column width=”1/3″][vc_row_inner][vc_column_inner][thb_image image=”943″][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/vc_column][/vc_row][vc_row css=”.vc_custom_1516107800082{margin-top: 24px !important;}”][vc_column][thb_border][vc_column_text]Meu pai fez ele [banco] de pedra, debaixo de um pé de manga, um na frente e outro atrás. Tinha dois pés, agora estão mortos, né? E os bancos tapados. Toda folguinha minha, eu ficava lá deitada de perna pra cima. Dá uma saudade da minha praça, era tão limpinha. Eu fugia de casa e ia pra essa casa que tinha uma cancela, entrava devagarinho e ia lá dentro pro quarto ficar com Dona Augusta e ela ficava lendo pra mim umas coisas antigas que tinham lá. Todo mundo conhecia todo mundo. A gente podia dormir com a janela aberta e todo mundo morava perto. Eu via todo mundo, todo dia. Os vizinhos, a gente gritava um e outro do muro. Dona Penha me gritava de lá, eu gritava ela de cá.

Quase toda reunião que tinha era na praça. Quando tinha festa, o som e as brincadeiras também eram na praça. Era o point, né? Minha irmã tinha uma televisão lá na parede do bar. Tinha uma bandeira do Cruzeiro de um lado e do Galo de outro, e, se pusessem a do Cruzeiro primeiro, a gente brigava. Se tinha a do Galo primeiro, a gente também brigava. Até isso tinha. No outro dia, tava todo mundo bem. Hoje, a gente nem vê graça no futebol mais. Não tem graça de brincar mais, porque a gente não vê quase ninguém.

Quando a gente era novo, falava que ia pra igreja e, ao invés da igreja, a gente ia pra cachoeira. Depois, chegava na igreja com a roupa toda molhada e, no fim, os pais descobriam. A gente também lavava roupa ali onde tinha um corregozinho. Era tudo bom. A gente cresceu e se acostumou nessa vida. A cidade, pra gente, era fazer compra e ir ao banco. Vinha aqui e voltava no mesmo dia, no ônibus, pegava o de 7 horas e voltava no de 15 horas.

Maria das Graças Quintão, Bento Rodrigues

[/vc_column_text][/thb_border][/vc_column][/vc_row][vc_row css=”.vc_custom_1516107842434{margin-top: 24px !important;}”][vc_column][thb_border][vc_column_text]Toda vida morei em Gesteira. Sei bem como era tudo, caminhava pra lá todos os dias. Nossa igreja, a escola dos nossos filhos e netos, o salão comunitário. Me lembro dos dias de festa, todos trabalhávamos juntos para organizar as coisas. Nossos amigos trabalhavam e, com o próprio esforço, construíram as casas deles e, da noite pro dia, a mineradora destruiu tudo. A gente vai lá e volta pra casa chorando, pois a gente fica triste, faz dois anos e nada foi feito.

Maria das Graças Lima Bento, Gesteira

[/vc_column_text][/thb_border][/vc_column][/vc_row][vc_row css=”.vc_custom_1516107951022{margin-top: 24px !important;}”][vc_column][thb_border][vc_column_text]As ruas em Bento ganharam nome em 1982, porque foi quando chegou a energia lá. A Rua Raimundo Muniz, onde morava, foi uma homenagem ao meu avô, Raimundo Custódio Muniz. Quando a luz chegou, acharam justo dar o nome dele, pois ele era um contador de histórias. Ele saía de Bento Rodrigues e andava dois ou três quilômetros, no sentido de Mariana, pra contar histórias para as pessoas num lugar que chamavam de ‘piteiro’.

A minha rua era sem saída, a única movimentação foi nos anos 1980, quando eles começaram a mexer com garimpo lá perto. Passava carro direto, mas, depois que o garimpo terminou, não víamos quase movimento nenhum.

A Rua Ouro Fino é um caminho que vai pra cachoeira de Ouro Fino, mas eles chamam de Moisés, deve ser por causa de um fazendeiro que tinha na região. O nome Ouro Fino surgiu a partir da extração de ouro que tinha ali perto de um cara chamado Carlos Pinto – inclusive, tem uma rua no Bento com esse nome. Ele trabalhava com maquinário pesado de extração desse ouro e passava ali na estrada. As pessoas costumavam garimpar esse local também, porque achavam um pouco de ouro fininho que ficava lá. Essa história foi que eu ouvi.

Manoel Marcos Muniz

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