“Ser mulher é uma luta”

[vc_row][vc_column][vc_column_text]No dia 8 de março comemoramos o Dia Internacional da Mulher, uma data que representa a luta das mulheres em busca de seus direitos. A partir disso, conversamos com aquelas que participam intensamente na luta por reparação e pelo reconhecimento de direitos: as mulheres atingidas pelo crime das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton. Ao ouvir suas histórias, pudemos entender o que as motiva a estar na luta e como elas enfrentam a batalha de ser mulher nesse processo que se estende há mais de três anos.

Por Carolina Rodrigues, Leonina de Oliveira, Maria do Carmo D’Ângelo, Mirella Lino, Terezinha Severino e Vera Lúcia Aleixo
Com o apoio de Larissa Pinto e Tainara Torres

 

 

Luta

Nós não temos a opção de não estar na luta. É isso ou é isso. Eu faço o máximo para que a minha fala seja para todos, porque a nossa luta, como atingidas, é por todos. Eu não represento só os meus direitos, mas os meus, os do meu irmão menor, do meu pai que está doente, da minha mãe que tem que se virar em mil pra dar conta de tudo, de mais atingidos e atingidas que estão na mesma condição que eu.

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

 

 

A nossa luta é como se fosse uma casa. Se a gente sair da nossa casa, ela para. Se a gente desistir dessa luta, tudo para. Mas, se a gente continua, a gente vai crescendo, vai conseguindo nosso objetivo, ajudando o outro, a família, a comunidade.

Vera Lúcia Aleixo, moradora de Gesteira

 

É importante ir nas reuniões. Nós vamos todas juntas: Deja, Terezinha, Martinha e eu. Nós fomos a Soberbo outro dia, saímos às oito horas e só cheguei em casa pra lá de oito da noite. Eu tô com 82 anos e não paro não, graças a Deus. Não gosto de ver as pessoas sofrendo. Se eu preciso, o outro também precisa.

Leonina de Oliveira, moradora de Rio Doce

 

A gente vai para a luta procurar o direito da gente. Eu não tenho medo não, eu vou. Em todos os lugares que precisa ir, nós vamos. Também acompanhamos todas as reuniões. Eu sou muito curiosa, eu gosto de ir. Se precisar de falar alguma coisa, a gente fala. É importante participar para ver o que eles vão falar e passar para as pessoas. O povo das empresas tem obrigação de fazer as coisas, porque não foi Deus que acabou com o rio, né?!

Terezinha Severino, moradora de Rio Doce

 

Protagonismo

A voz da mulher está evoluindo, crescendo. Acho a mulher muito sábia. Nas reuniões, você vê mais mulheres. Elas estão compondo mesa, tendo a palavra e são poucos homens. Não desmerecendo, mas, na assessoria, a maioria é mulher. No grupo de Comissão, a maioria é mulher. Nas assembleias, a maioria é mulher. E isso é desde sempre. A mulher une mais, ela tem força, tem mansidão para resolver o problema. E eu tô aí, no meio dessas mulheres, dessa luta, nessa vontade de aprender, de doar.

Vera Lúcia Aleixo, moradora de Gesteira

 

O protagonismo das mulheres no processo de reparação está presente não só entre as atingidas, mas também nas equipes de apoio. A Cáritas, Assessoria Técnica dos atingidos de Mariana, conta com uma equipe fixa formada por 30 pessoas e, dentro desse grupo, mais da metade são mulheres. Para a reformulação e a aplicação do Cadastro, foram contratadas 266 pessoas e a maioria era composta por mulheres (196). Hoje, mesmo com uma equipe reduzida, o Cadastro ainda é fortemente integrado por elas: das 123 pessoas, 97 são mulheres. Na AEDAS, Assessoria Técnica de Barra Longa, há uma equipe fixa de mobilizadores e técnicos que conta com 13 pessoas, das quais, 10 são mulheres.

 

 

A mulher está ocupando esse espaço de Comissão. Nós estamos sempre unidas. Toda reunião, ninguém falta. Não pode faltar, porque é lá que nós brigamos e conquistamos nossos direitos. Para mim, esse trabalho de orientar as pessoas sobre direitos é muito importante. Tem muita gente que ainda não foi reconhecida.

Maria do Carmo D’Ângelo, moradora de Paracatu de Cima

Hoje, eu vejo que as mulheres estão tendo mais visibilidade, porque é um tabu mulher ser pescadora. O “normal” é homem pescar, mas mulher pesca sim. Não tem isso que pesca é só de homem. Pesca não tem gênero, porque é um lazer e é uma forma de sustento também.

Carolina Rodrigues, moradora de Barra Longa

 

Eu vejo que as mulheres são muito participativas, mesmo com todas as outras jornadas que elas têm: família, filhos, marido, algumas trabalham fora. Eu, por exemplo, estudo. A gente se organiza de várias formas para dar conta de tudo. Tem uma frase que diz que o homem pode matar um leão, mas a mulher mata, tempera, cozinha, serve, lava a louça, ainda arruma a casa e vai cuidar do filho depois. Então é isso. Vejo a participação das mulheres e fico muito feliz com isso.

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

Eu acho muito bonita e gratificante essa união. Fico orgulhosa de ver as mulheres à frente. Eu falo “vamos lá, vamos caminhar juntas”. Não podemos permitir que as pessoas diminuam a gente e que a gente se sinta diminuída. Seja homem ou mulher, isso não pode acontecer.

Maria do Carmo D’Ângelo, moradora de Paracatu de Cima

Motivação

Eu já nem sei mais o que me dá força, sei que ela tá aqui. Eu acho que é a sede por justiça mesmo. É toda a injustiça que acontece há três anos aqui, em Mariana, e que provavelmente vai acontecer em Brumadinho agora. Eu não sei expressar o que me dá força, mas eu sei que ela tá aqui e eu quero manter ela aqui.

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

 

 

O que me faz estar na luta, muitas vezes, é o “não” que a gente recebe. Nós temos mais força para conseguir um “sim” sendo um grupo maior. O objetivo da minha luta é este: enxergar a necessidade do outro. Com a minha necessidade, eu enxergo a necessidade do outro. Eu luto pela comunidade, por Barra Longa, porque Gesteira sem Barra Longa não é Gesteira e vice e versa. Eu luto no conjunto.

Vera Lúcia Aleixo, moradora de Gesteira

 

A minha motivação é que sou ativista, eu luto por direitos. Não tem forma melhor de lutar do que em grupo. Lutando sozinha fica mais difícil alcançar o seu objetivo. Agora, nós somos um grupo grande de pescadores e garimpeiros e mesmo assim a Renova enrola. Imagina se estivéssemos tentando sozinhos?

Carolina Rodrigues, moradora de Barra Longa

A vontade de vencer, de ver as pessoas bem, de evitar o sofrimento é o que me motiva porque já chega, né? É muito tempo de sofrimento. Eu não gosto de injustiça, não gosto de ver as pessoas sendo passadas para trás e, se estiver ao meu alcance, eu não deixo a pessoa ser prejudicada por outra. Quando eu vejo alguém enrolando uma pessoa humilde, olha, eu dou o grito mesmo. Essa força a gente nem sabe de onde tira, mas tira.

Maria do Carmo D’Ângelo, moradora de Paracatu de Cima

Jornadas

Estar na luta é uma situação muito difícil. A luta atropela as atividades como filha. Hoje, eu tenho um pai que está com depressão, uma mãe que também está na linha de frente e que precisa de apoio. Tenho minha vida como estudante, que também está sendo atropelada por esse processo. Eu tenho amigos, mas não sobra muito tempo pra me dedicar a eles. É bem difícil ser uma mulher no meu caso, ser uma jovem mulher, uma mulher recente e estar no meio desse processo todo, aprendendo muito, às vezes quebrando a cara, mas sempre forte.

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

 

A gente tem que dar atenção pra família e ainda tirar tempo pra lutar. De manhã eu levanto, faço tudo correndo dentro de casa. Faço o almoço, arrumo casa, lavo roupa. Eu ponho a roupa pra lavar de noite e, de manhã, dou um jeito de por no varal. Quando nós fomos reelaborar o Cadastro, eu fiquei seis meses cuidando dos meus afazeres à noite. Fazia tudo à noite pra de manhã vir pra Mariana. Era muito sofrido. Quando fomos discutir o uso do tempo, a Renova falou que era facultativo participar, que nós fizemos aquilo porque queríamos. A revolta foi tanta. Se eles tivessem feito um Cadastro decente, não precisava fazer de novo. Aí eu falei: “Tá, e quanto que vocês ganharam pra vir aqui tirar direito de nós?”.

Maria do Carmo D’Ângelo, moradora de Paracatu de Cima

 

Quando eu preciso sair, o meu marido tá presente pra ficar com a minha neta, Ana Júlia, porque somos eu e ele aqui em casa. Eu tenho que fazer o meu movimento. Preciso conciliar tudo. Eu vou pras reuniões feliz porque, quando a gente vê o povo mobilizado, a gente fica feliz porque o povo tá entendendo. E a Renova que nos aguarde.

Vera Lúcia Aleixo, moradora de Gesteira

 

Preconceito

No primeiro momento, as pessoas das empresas não acreditam muito que eu possa ser alguma coisa, justamente porque sou pequena, tenho cara de nova. Então, algumas pessoas não me dão muito crédito… até eu abrir a boca. Eles só me notaram quando eu comecei a falar, a brigar, a me colocar. Agora eu vejo que não posso desistir porque ou é isso ou é nada.

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

 

Eles têm descaso tanto com garimpeiros quanto com pescadores, ainda mais se tratando de uma mulher. Eles não reconhecem as pescadoras, mesmo quando temos provas de que pescávamos. Fui dada como dependente do meu pai sendo que eu também pescava e fui atingida. Se fosse um homem ocupando a minha posição, seria diferente. Se fosse um menino que pescasse com o pai desde novo, ele teria mais chances de ser reconhecido do que eu porque é um ambiente machista. Eu estou buscando reconhecimento porque sou uma pessoa completamente diferente do meu pai e não vou mais aceitar ser dada como dependente dele.

Carolina Rodrigues, moradora de Barra Longa

 

 

Nós quebramos o preconceito que existe na sociedade machista de não dar crédito ao que as mulheres falam, de colocar as mulheres lá embaixo. É um processo de empoderamento mesmo. A luta, por si só, é um processo de empoderamento.

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

 

Eu gosto muito da história do dia 8 de março. Muita gente pensa que é romantização: “Olha, nós criamos um dia para homenagear a existência das mulheres”, mas não. É uma data que marca um dia de luta de mulheres. O dia 8 de março, assim como todos os outros dias, é pra lembrar o sacrifício que toda mulher tem de fazer para existir e pra chegar em algum lugar, seja qual lugar for esse.

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

 

Eu posso dizer que, como mulher, eu sei que não é fácil. Mas se acontecer de, às vezes, elas pensarem em desistir, porque é difícil conciliar tanta coisa ao mesmo tempo, que elas lembrem como era antes e quanta coisa boa elas, juntas, conseguiram trazer para o próximo. Porque a gente está sempre buscando ver as pessoas felizes, então, quando acontece um tropeço no caminho, a gente tem que passar por ele, seguir em frente e não desistir. Não é fácil, mas a gente consegue.

Maria do Carmo D’Ângelo, moradora de Paracatu de Cima

 

Eu espero que todas nós consigamos conquistar nossos objetivos e que isso mostre que lugar de mulher é onde ela quiser. As mulheres indo pra luta estão mostrando que não aceitamos mais ser submissas. A questão dessa luta é nós, mulheres, conseguirmos nosso reconhecimento.

Carolina Rodrigues, moradora de Barra Longa

 

Na sociedade machista em que vivemos, na qual a mulher é vista como objeto, como um ser menor e que tem sempre que estar atrás de um homem, eu vejo muitas mulheres provando que nós somos iguais, que estamos ao lado dos homens e podemos fazer tantas coisas como eles. Então, parabéns a todas as mulheres que lutam. Só o fato de ser mulher é uma luta, uma luta constante para existir, para ser reconhecida como mulher.

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

 

O que eu tenho a dizer para elas é que admiro a mulher que luta. Nunca percam essa força porque é lutando que nós vamos vencer, que vamos conquistar o nosso objetivo. Para todas as mulheres atingidas: permaneçam fortes, firmes e, se Deus quiser, nós vamos vencer.

Vera Lúcia Aleixo, moradora de Gesteira