Não seremos ouvidos sobre o futuro do nosso patrimônio?

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Por Janaína Flores, Lucimar Muniz e Maria Cecília Alves

Com apoio de Juliana Carvalho e Wigde Arcangelo

Foto: Larissa Pinto

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][thb_gap height=”50″][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Após o rompimento da Barragem de Fundão, a comunidade de Bento Rodrigues começou a discussão sobre, no futuro, tornar o território um museu. A partir de abril de 2016, o Ministério Público, em conjunto com o Conselho de Patrimônio de Mariana (Compat), propôs o tombamento de Bento Rodrigues. No segundo semestre de 2016, a  Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi incluída no processo, com a criação de uma disciplina, na Escola de Arquitetura, para o auxílio desse processo. Em maio de 2019, a UFMG entregou um dossiê sobre o tombamento ao Ministério Público. Houve críticas por parte dos(as) atingidos(as) em função da elaboração do documento não envolver a comunidade atingida de forma efetiva.  

 

 

Geralmente o processo de tombamento parte de um dossiê. Quem faz esse dossiê não é a Prefeitura, ou o Estado, ou o Iphan. Algum órgão faz um dossiê para trazer qual é a história daquele bem, quais são as características e significância desse bem para o município ou para o Estado, porquê ele precisa ser tombado. Caso ele venha a ser tombado, por exemplo, se é alguma coisa arquitetônica, urbanística, um bem material, tem um perímetro de tombamento, o entorno, quais são as diretrizes. Esse dossiê é apresentado junto aos órgãos competentes que vão, de fato, instituir o tombamento. O dossiê serve como um subsídio. O dossiê não significa tombamento. O dossiê é um documento que justifica e explica como é aquele tombamento, os órgãos tombam e são responsáveis por proteger o bem.

Maria Cecília Alves, assessora da Cáritas

 

Estamos falando de uma proposta que trabalha diretamente a história, a memória, a identidade das comunidades atingidas. Dos que davam vida àquele território, e também falamos do maior desastre crime socioambiental desse país e um dos maiores do mundo relacionados à mineração. Ou seja, hoje, este território tem uma grande relevância mundial. No entanto, qualquer discussão quanto ao futuro deste território não pode ignorar os seus protagonistas. Fato que, até o momento, vem sendo ignorado. As discussões sobre este futuro acontecem afastadas do território e são feitas por quem sequer pisou nele. 

Lucimar Muniz, familiar de moradores(as) de Bento Rodrigues

 

Acima de tudo, temos que receber nossas casas. Temos que ter mais conhecimento de todo o processo, mais participação e voz. Correm para apresentar documentos que muitas vezes os atingidos e proprietários dos imóveis atingidos não tem conhecimento, acabam deixando a decisão com órgãos públicos e nós, que perdemos tudo, principalmente nosso chão sagrado de nossas casas… Até hoje, quatro anos, nada. Só papeis, reuniões e mídia em favor das empresas. É uma falta de respeito conosco, somos trabalhadores, seres humanos, e estamos sofrendo. Cada dia mais a dor não passa e sim, só aumenta. Até quando vão tampar os olhos para a verdade?

 Janaína Flores, moradora de Bento Rodrigues

 

As pessoas não pediram para passar lama na casa delas. É um crime. Elas foram forçadas a sair de suas casas, a abandonarem seus territórios, a abandonarem seus modos de vida, seus modos de produção. Agora elas estão em moradia provisória e, em uma expectativa de se celebrar, de preservar a vida local, tomam-se decisões arbitrárias acerca de um território que ainda pertence às pessoas e que elas nem queriam sair de lá. Então como não ouvir e incluir essas pessoas na conclusão de qual a destinação desse território? Porque o território continua sendo das pessoas, as pessoas continuam tendo relações sentimentais, físicas, práticas e sociais com aquele território. Qualquer decisão arbitrária em relação a destinação dessa área atingida é mais uma violação, é mais uma violência em relação a essas pessoas que continuam sendo donas e que não pediram pra sair de lá.  O dossiê é um documento que justifica e explica como é aquele tombamento e os órgãos são responsáveis por efetivar o tombamento. 

Maria Cecília Alves, assessoria da Cáritas

 

Há quase quatro anos aguardamos por este tombamento. No entanto, esta proposta, assim como a que foi realizada pelo IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico), não foi construída em conjunto com a comunidade. Esses fatos são muito preocupantes, pois, como em tantos processos já vividos até o momento, resultam em novas violações aos direitos das comunidades atingidas. Este tombamento é uma ferramenta de proteção das marcas deixadas neste território em 5 de novembro de 2015. Mas não se pode ignorar quem nasceu e cresceu naquele local. É preciso existir diálogo e respeito pela  por meio de seu envolvimento neste processo. Não se envolve ninguém com proposta construída em gabinete. Há anos, discutimos a necessidade de ser realizado um trabalho de educação patrimonial com as comunidades, algo que também não foi feito até o momento. Anteriormente, as mineradoras decidiram o futuro das comunidades abaixo de seu complexo sem qualquer questionamento se eles desejavam aquele futuro. Hoje são os “aliados” que repetem este processo, não dá mais.

Lucimar Muniz, familiar de moradores(as) de Bento Rodrigues

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