Dos pés de feijão ao rejeito de minério

Mãos de moradora exibe colheita realizada em sua nova horta

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Mãos de moradora exibe colheita realizada em sua nova horta

(Foto: Larissa Helena/Jornal A Sirene)

Por Marcos Manoel Muniz, Rosária Ferreira Duarte Frade, Maria da Conceição Martins

Com apoio de Cristiane Valéria de Oliveira, Silmara Filgueiras e Valéria Amorim

Fotos: Larissa Helena e Arquivo Pessoal

Os 39 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério lançados de Fundão ao meio ambiente destruíram centenas de quilômetros de terra até a foz do Rio Doce, implicando em perdas e prejuízos difíceis de serem reparados. Muitos eram os usos que a população fazia daqueles solos. Acostumados ao cultivo e à criação nos quintais, os atingidos sentem a perda desse espaço e se preocupam com a preservação das espécies que mantinham em suas residências.

A perda do patrimônio agrícola nas regiões atingidas – formado pelas sementes, arbustos e árvores que foram destruídos pela lama, bem como pelos animais mortos no desastre e ao longo desses dois anos – revela um caráter ainda mais catastrófico quando adicionamos à essa realidade a devastação dos solos.

[dropcap]A[/dropcap] noção de Patrimônio Agrícola refere-se a um conjunto de elementos que compõem os sistemas agrícolas tradicionais, desde as plantas cultivadas até outros aspectos, tanto ambientais (solos, recursos hídricos, relevo), quanto socioculturais (saberes, práticas de manejo de solo). O termo é reconhecido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) – entidade ligada à ONU, responsável pelo estudo e desenvolvimento da agricultura mundial e produção de alimentos.

A perda do patrimônio agrícola nas regiões atingidas – formado pelas sementes, arbustos e árvores que foram destruídos pela lama, bem como pelos animais mortos no desastre e ao longo desses dois anos – revela um caráter ainda mais catastrófico quando adicionamos à essa realidade a devastação dos solos.

Com o rejeito de minério, diferentes tipos de solo com características e potenciais diversos foram enterrados e/ou condenados a uma longa espera para que possam (talvez) serem novamente cultivados.

A perspectiva de recuperação desse recurso natural é de longo prazo e mesmo que os solos voltem a ter qualquer capacidade produtiva, o limite de reabilitação desse recurso foi drasticamente ultrapassado. Isso quer dizer que, mesmo que voltem a produzir, eles jamais recuperarão as características originais que possuíam.

  • Cristiane Valéria de Oliveira e Valéria Amorim*

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column css=”.vc_custom_1512155192967{margin-top: 25px !important;}”][thb_border][vc_row_inner][vc_column_inner][vc_column_text]Lá em Paracatu, a terra era boa demais. Na verdade, eu acho que a terra é de acordo com quem trabalha com ela. Ela é parecida com a gente, se plantamos e cuidamos com amor, o fruto nasce, mas se tratamos de qualquer jeito, não dá.

Eu sempre gostei de plantar sementes de milho e feijão de espécies diferentes daquelas que encontramos no mercado. Tenho espécies variadas de milho e feijão, como o milho crioulo, milho amarelinho, milho de palha roxa, feijão roxinho, feijão miúdo, feijão preto, feijão fumaça e feijão rapé. Consegui esses tipos variados procurando em outras regiões.Uma das sementes eu trouxe lá de Santa Catarina. Gostava de cultivar essas espécies por causa do sabor. É bom comer algo diferente. Além dos feijões e dos pés de milho, na roça, tinha cana, batata doce, abóbora, banana e melancia. Não era somente eu, quase todo mundo lá plantava de tudo. Conheço gente que só comprava o sal. Hoje, eu ainda replanto as sementes de milho e feijão. Faço isso para preservar as espécies até poder voltar a plantar novamente, como fazia antes.

Rosária Ferreira Duarte Frade, atingida de Paracatu de Baixo

[/vc_column_text][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/thb_border][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column css=”.vc_custom_1512155243880{margin-top: 25px !important;}”][thb_border][thb_image image=”701″][vc_column_text]Durante os 30 anos em que trabalhei na Samarco, sempre encontrava tempo no intervalo do trabalho para cuidar das minhas coisas no Bento. Tinha várias cabeças de gado, muitas galinhas e até umas da raça Brahma. Os ovos que elas produziam abasteciam minha família e também eram vendidos em Bento e em Mariana. No pomar, tinha pés de diferentes tipos de laranja, banana prata e caturra, para não falar dos vários pés de jabuticaba.

Nas terras que meu pai me deixou, além do pomar e das criações, eu cuidava da horta de onde saíam verduras que, junto com as frutas e os ovos, enchiam meu carro para atender os pedidos que chegavam dos fregueses.

Antes de aposentar, eu fazia planos de poder ficar em Bento e levar uma vida tranquila, rodeado da família, cuidando de tudo que ajudei a criar. Por um ano, depois que aposentei, consegui realizar esse meu sonho: cuidava da terra e da criação. Mas o desastre destruiu isso. Nosso lugar foi “enterrado” duas vezes pela lama: na primeira vez, naquele dia 5 de novembro, e agora pelo “lago de lama” que se formou com a construção do dique S4. Tudo o que eu tinha ficou enterrado, fora a criação que a lama arrastou e matou.

Hoje, em Mariana, em um pedaço do terreno onde moro, tenho uma horta e cuido de algumas galinhas. Pelo menos uma vez por semana vou até a Fazenda Bom Retiro para visitar e cuidar do meu gado que conseguiu se salvar da lama e que divide o pasto e o curral com outras cabeças que também conseguiram sobreviver ao desastre. Mas muitas cabeças já morreram nestes dois anos.

Eu sempre digo que apesar da lama, nossa vida precisa continuar, mas dói ver como nosso Bento ficou, nossa história. Hoje posso  mostrar um pouco do que tinha através das fotografias que, por terem ficado em Mariana, a lama não pôde destruir, mas é triste.

Marcos Manoel, atingido de Bento Rodrigues

[/vc_column_text][/thb_border][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column css=”.vc_custom_1512155266203{margin-top: 25px !important;}”][thb_border][thb_image image=”705″][vc_column_text]Tinha minha casa, minhas plantações e cuidava das minhas criações. Tinha muitas galinhas, eram mais de 100. Elas eram daquelas raças que botavam muitos ovos. Às vezes não conseguia pegar tudo, pois elas ficavam soltas e acabava perdendo. Quando a lama da Samarco veio eu perdi a maior parte delas. Algumas que se salvaram estavam numa árvore que tinha lá. Essas a Samarco levou lá pro abrigo, mas pouco tempo depois, elas sumiram, foram roubadas. Fiz o boletim de ocorrência e reclamei, mas a empresa não se manifestou.

Hoje vivo aqui na cidade e a única galinha que tenho foi minha filha que me deu. Cuido dela aqui, mas não é a mesma coisa, não é do mesmo jeito.

Maria da Conceição Martins, 76, Paracatu de Baixo

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