Água: direito à vida e justiça para as famílias atingidas

Por Ellen Barros e Geovane Assis

O Rio Gualaxo do Norte, essencial no abastecimento das comunidades atingidas de Mariana e Barra Longa, está contaminado e impróprio para consumo. | Foto: Erasmo Ballot/Jornal A SIRENE

O direito à água e o direito à vida estão intimamente ligados e, para as famílias atingidas pela barragem de Fundão, ambos vêm sendo violados desde 2015. Os 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeito tóxico despejados no rio Doce representam adoecimento e morte para as plantas, os animais e as pessoas às margens dessas águas que, antes do crime, eram fonte de vida. As mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, por meio da Fundação Renova, são responsáveis por reparar o direito das pessoas atingidas à água. No entanto, essas mesmas pessoas encontram-se em uma realidade de vulnerabilidades e incertezas a esse respeito. Estudos mostram que, nas águas do rio Gualaxo do Norte, afluente do rio Doce, há contaminação por diversos metais pesados, como arsênio, chumbo, mercúrio, níquel, ferro e manganês. Portanto, é fundamental destacar que as águas desse rio, que banham a área rural de Mariana e a cidade de Barra Longa, não são próprias para consumo humano, nem mesmo para pesca, irrigação de plantas ou dessedentação animal.

Enquanto, na zona rural, as famílias atingidas sentem a falta de água de qualidade para manter criações e plantações, nos reassentamentos, não há qualquer previsão de fornecimento de água bruta, ou seja, água para uso agrícola. Isso mostra o descaso da Renova com os modos de vida das pessoas atingidas. “Paracatu vai ser uma cidade praticamente morta, pois, sem a água, como vamos plantar, cuidar das nossas criações?”, questiona Jerônimo Batista, que é membro da Comissão de Fiscalização do Reassentamento de Paracatu de Baixo e relata que, desde o início, a Renova garantiu que água não seria problema, mas, ainda hoje, não apresentou solução para a disponibilidade de água bruta para a comunidade. “No meu cas0, eu tinha muita água antes do rompimento, tinha o rio a meu favor, que me ajudava com as criações, e água diretamente da nascente para usos dentro de casa. Sem água é quase impossível manter minhas criações no reassentamento, por isso, a gente está lutando para conseguir ter essa água bruta no novo Paracatu.” O atingido se indigna ao abordar o assunto e avalia a atuação da Renova como péssima: “não estão preservando o nosso direito e não estão cumprindo com suas palavras”, conclui. Em Paracatu de Baixo, há estudos insólitos que dão a entender que a manutenção e os custos da água ficarão a cargo dos próprios atingidos. Em Bento Rodrigues, nem previsão para estudos existe. 

Raimundo Alves, atingido de Bento Rodrigues, sente falta das plantações perdidas com o rompimento da barragem. | Foto: Tainara Torres

Há mais de três anos, as pessoas atingidas discutem alternativas para que esse direito básico seja garantido e exigem um posicionamento concreto da Renova para sanar o problema. A situação do acesso à água na zona rural é ainda mais urgente, pois, além da falta da água bruta em qualidade adequada, falta água potável segura para algumas famílias. Muitas comunidades ainda estão sendo abastecidas com caminhão pipa. Em Ponte do Gama, por exemplo, tem poço artesiano feito em cima de área com rejeito e sem segurança sobre a qualidade da água. Em Camargos, existem estudos sobre a viabilidade do fornecimento de água potável feitos pela Renova, mas, apesar da promessa da fundação de garantir uma infraestrutura adequada para o abastecimento, as famílias enfrentam diversos problemas com encanamentos cuja manutenção é realizada de forma improvisada pela própria comunidade. A Renova informou que faria captação em nascentes e perfuração de poços, mas essas obras nunca foram executadas. Para todos esses problemas, a fundação apresenta respostas insuficientes e informa às comunidades que aguarda decisão judicial sobre compensação, o que dá a entender que não restituirá a água para a retomada dos modos de vida das pessoas. 

Apesar do posicionamento da Renova, a Declaração Universal dos Direitos da Água afirma que “o direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado na Vigilância em Saúde” (Assembleia Geral da ONU, 1948, art. 30). Assim, fazemos coro ao grito por justiça, por água em quantidade e qualidade suficientes para a retomada dos modos de vida das pessoas atingidas que tanto resistem. 

Foto: Tainara Torres

Comunidades atingidas enviam relatório sobre os descasos da Fundação Renova diante da (não) reparação do direito à moradia

Prefeitura de Mariana, Câmara dos Vereadores, Defensoria Pública, Ministério Público e outras instituições receberam relatório detalhado sobre os sucessivos descasos da Fundação Renova no processo de reparação às famílias atingidas pela barragem de Fundão, em Mariana. O documento foi elaborado a partir do debate entre moradores das comunidades atingidas, Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) e equipe de Assessoria Técnica, realizada pela Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais.

O prazo determinado pela Justiça para a entrega de moradias às famílias atingidas pelo crime das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, em Mariana-MG, foi descumprido pela terceira vez no dia 27 de fevereiro. Com isso, as mais de 500 famílias dos subdistritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Camargos, Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Borba, Pedras e Campinas seguem sem moradia desde 2015.

Ainda é possível verificar que as obras de reassentamento coletivo de Bento Rodrigues e as de Paracatu de Baixo quase não progrediram, e que os atendimentos dos casos de reassentamento familiar e reconstrução estão estagnados. 

O documento com as considerações e as insatisfações da população atingida pode ser acessado no site.