Juiz sob a suspeita de parcialidade

Desde o final de 2020, têm circulado notícias acerca da possível parcialidade do juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior. Documentos do Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPEMG) e Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPEES) apontam para as evidências de que o juiz tem agido em prol das empresas rés – Vale, Samarco e BHP Billiton do Brasil – e da própria Renova e advogados(as) das novas comissões. Nos acordos oferecidos às pessoas atingidas constam valores irrisórios e a exigência de declarar a quitação integral. Por esses e outros motivos, as instituições de justiça pedem o afastamento do juiz. Veja, a seguir, as principais situações que resultaram nesse questionamento.

Por Juliana Carvalho

Pedido de anulação da decisão do juiz sobre as indenizações

Em outubro de 2020, o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPEMG) e a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPEES) entraram com dois recursos para pedir a anulação das decisões do juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior, sobre os pagamentos de indenização em Baixo Guandu-ES e Naque-MG, dois municípios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. 

Mas anular o quê?

Os recursos elaborados pelas instituições de Justiça, MPF, MPMG, DPU, DPEMG DPEES, relataram os prejuízos às pessoas atingidas da região de Baixo Guandu-ES e Naque-MG, em relação à indenização, advindos da decisão do juiz. Entre os prejuízos, destacam-se a exigência de que a pessoa atingida utilizasse o sistema on-line criado pela Renova a fim de liquidar e executar os pedidos de indenização e a obrigatoriedade de contratação de um(a) advogado(a). Além disso, as instituições destacaram também o valor irrisório, dez mil reais, em relação à indenização por danos morais. Em um dos recursos, é esclarecido que “essa quantia é rotineiramente atribuída, nos tribunais brasileiros, em virtude de cancelamentos de voos ou extravios de bagagem. Beira o ridículo pretender que esse mesmo valor seja devido, mediante quitação integral, a pessoas que tiveram suas vidas destroçadas por um dos maiores desastres da história do país”. Outra exigência imposta pelo juiz era a de que a pessoa atingida deveria assinar um Termo de Quitação Integral, mesmo sem obter estudos finalizados acerca de todos os danos que foram causados – e continuados – na região após o rompimento da barragem de Fundão. Havia também a exigência de que as pessoas desistissem de outras ações, conforme o Jornal A SIRENE publicou na última edição. É importante destacar que as instituições de Justiça não pediram a anulação dos pagamentos, e sim das decisões do juiz que prejudicam as pessoas atingidas. 

Comissões autoeleitas

Os documentos das instituições também relatam que comissões de atingidos(as) foram formadas, sob orientação de um mesmo grupo de advogados(as), tanto em Baixo Guandu-ES como em Naque-MG. Os grupos se propuseram a tratar das questões relativas às indenizações de suas comunidades e tiveram as comissões legitimadas pelo juiz Mário de Paula. O problema é que tais comissões foram autointituladas e autoeleitas, e não tiveram nenhum processo de participação coletiva em sua construção. Sendo assim, o juiz não deveria conceder legitimidade aos grupos. As instituições apontam para esta ação como uma ilegalidade processual do juiz. Além disso, quando outras pessoas atingidas pediram para participar das negociações e decisões junto às “comissões”, o juiz, a pedido dos(as) advogados(as) dos grupos, decretou sigilo dos autos do processo, o que excluiu, assim, a participação de grande parte da comunidade de Baixo Guandu-ES e Naque-MG e, inclusive, do próprio MPF. 

Matriz de danos 

Nos dois recursos mencionados anteriormente, as instituições também destacam que a fixação da Matriz de Danos – que foi elaborada sem a participação dos órgãos de justiça e das comunidades atingidas – seja considerada como um parâmetro mínimo e não um teto máximo. Essa preocupação é constante, já que ainda não existem estudos finalizados sobre TODOS os danos que foram e ainda são causados às populações atingidas. Como o juiz havia determinado que as pessoas atingidas deveriam assinar o Termo de Quitação Integral mediante os pagamentos das indenizações baseadas nas matrizes de danos arbitradas judicialmente, as instituições de Justiça afirmam que tal condicionamento acaba gerando prejuízos às populações, visto que os valores podem ser maiores do que os que estão previstos até então. Há também a estranheza em relação à aceitação, sem nenhuma apresentação de recurso, das empresas rés aos valores propostos nas primeiras matrizes de danos fixadas pelo juiz. Por esses motivos, em novembro de 2020, foi apresentada uma petição ao juiz Mário de Paula assinada pelos órgãos MPF, MPMG, DPU, DPEMG e DPEES. O documento, mais uma vez, reiterou a necessidade de que decisões prejudiciais às pessoas atingidas fossem anuladas. 

Pedido de  afastamento do juiz

Entendendo que as ações do juiz continuavam favorecendo advogados particulares e as empresas rés, assim como a Renova, as instituições de Justiça pediram o afastamento do juiz Mário de Paula do caso Samarco. Entende-se que o juiz em questão está agindo de forma parcial e que possibilita a pressão de advogados sobre as pessoas atingidas para que assinem contratos em que abram mão de direitos futuros. Há, inclusive, relatos de ameaças contra pessoas atingidas que não querem aderir ao Sistema Indenizatório Simplificado. Comunidades atingidas da bacia do rio Doce lançaram um abaixo-assinado, na plataforma Avaaz, para pedir o fim da quitação integral e a continuidade dos pagamentos do auxílio financeiro emergencial.