A volta da Renova e o medo da contaminação

Por Sérgio Papagaio

Medo, palavra que traduz um sentimento mundial e se tornou doméstica no território de Barra Longa, após o rompimento da barragem da Samarco, das controladoras Vale e BHP Billiton do Brasil, em Mariana, no dia 5 de novembro de 2015. Medo de guerra, medo do crime, medo da violência e de todo subproduto do progresso. 

Barra Longa, uma cidade esculpida entre montanhas das Minas Gerais, com histórias que datam do início do século XVIII, irrigadas pelas águas dos rios Carmo e Gualaxo do Norte. Inicialmente, financiada pelo garimpo de ouro, usando, como mão de obra, os pretos escravizados pela Igreja Católica e pelo Império português. 

Até cinco anos atrás, a pacata Barra Longa parecia ter vencido os seus traumas e vivia em perfeita harmonia com a natureza, até que o monstro de rejeito se liberta da prisão da Samarco e invade nosso território, trazendo consigo um mundo que, até então, era, por nós, barra-longuenses, visto só pela televisão: um aumento exorbitante nos casos de doenças de vários tipos se naturalizam barra-longuenses e veio morar conosco. 

 A Renova, fundação criada para reparar o crime, transforma-se em uma máquina de renovação desse crime em curso. Se não bastasse todo o mal que já vínhamos sofrendo, uma pandemia mundial apontou no longínquo. Esperávamos, como todo o mal que, com a evolução, nunca fez morada em Barra Longa, que este coronavírus também fosse visto só pela televisão. 

Seguindo a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), exigimos que a Renova se ausentasse de nosso território, visto que as obras de reparação nunca foram levadas a sério pela Renova. Assim, pautamos a vida como prioridade, mas, infelizmente, o poder público, tendo, à sua frente, como gestor, o Sr. Mário Antônio Coelho, prefeito da nossa querida Barra Longa, entende que a economia é mais importante que a vida e, sem consulta à população, decide que a democracia é algo que não se aplica à Barra Longa, permitindo a volta da Renova para atuar em campo na nossa amada cidade.

Sabendo que a Renova não visa lucros e já dispõe de um capital para a reparação,  com base na lei ambiental, que responsabiliza o poluidor pagador a arcar com os danos decorrentes do seu empreendimento de risco, a Comissão de Atingidos, o Coletivo de Saúde, com sua assessoria técnica, a AEDAS, por meio de ofícios, convidou, várias vezes, o poder público para reuniões para somarmos forças e lutarmos pelo bem comum de nossa população. Sem respostas aos nossos apelos, a prefeitura colocou em segundo plano a vida, que, sabidamente, só dá uma safra.

Após termos visto o que aconteceu em Mariana, onde os funcionários das empreiteiras prestadoras de serviços para a Renova foram grandes disseminadores da Covid-19, vivemos hoje, em Barra Longa, o medo de que esse trabalhadores, pais de família, que precisam tratar dos seus, possam trazer para nós e/ou levar para a casa o vírus mortal. Por entendermos que a Renova é responsável pela estabilidade dos funcionários, sem prejuízo de seus vencimentos salariais, e sem ter o direito de pôr em risco a população, e por entendermos também que a reparação passa primeiro pela vida, é que ainda apelamos para órgãos públicos competentes para que nos auxiliem na luta pela existência.