Pedras e a demora na reparação

Nestes cinco anos, já abordamos diversas vezes as questões que afligem os(as) moradores(as) de Pedras e de outras localidades que foram atingidos(as) pela barragem de Fundão. Já nas primeiras edições, os(as) atingidos(as) contavam sobre as saudades da vida na roça – as árvores, as plantações, o contato com a natureza e a criação de animais. Depois da lama de rejeito, tudo mudou. Os animais começaram a morrer, a silagem não é suficiente, as árvores não existem mais, as rachaduras nas casas começaram a aparecer e a forçar as populações a se mudarem para a cidade e a morarem em casas alugadas.

Por Graciete Martins dos Santos, Maria Cornélia de Souza, Marlene Agostinha Martins e Sônia Nazaré dos Santos

Com o apoio de Juliana Carvalho

Na edição nº. 1, do Jornal A SIRENE, publicada em março de 2016, Maria já sentia os efeitos da perda de seu quintal: ter de comprar verduras no mercado. Ainda hoje, ela sofre com a rotina que antes não lhe pertencia e que se tornou ainda pior com a pandemia do novo coronavírus. 

Quando eu morava lá na roça, eu tinha de um tudo, não precisava de comprar, e a verdura está muita cara. A verdura era sadia, a gente apanhava na hora que queria e aqui a gente tem que comprar. Costuma comprar a verdura murcha, ela não dura nem de um dia para o outro. A gente tá passando muita necessidade e muita raiva, porque a Renova não lembra da gente de jeito nenhum, tá enrolando demais, até hoje não comprou minha casa. Acho que vou morrer sem entrar no que é meu.

Os meus filhos ficam me cobrando quase todas as vezes que me vêem. “Mãe, quando a senhora morava na roça, nós trazíamos verdura para a semana inteira. Agora não temos mais, temos que comprar.” Aí a gente fica com o coração doendo, porque a barragem chegou e, com menos de minutos, levou tudo o que tinha no meu quintal. 

Maria Cornélia de Souza, moradora de Pedras

O caso de Marlene e sua família apareceu na edição nº. 2, publicada em abril de 2016. Ela e os irmãos, na época, não foram reconhecidos(as) como atingidos(as), pois não moravam na região atingida. Mesmo assim, iam frequentemente visitar e prestar auxílio à mãe, que nasceu e teve seus sete filhos na mesma casa, em Pedras. Hoje, apesar de Marlene ser reconhecida como atingida, não recebe nenhum tipo de auxílio da Renova e sua mãe aguarda a mudança para uma nova casa. 

Nessa época, eu não era reconhecida como atingida. Eu fui muito recriminada nas reuniões, porque o funcionário da Samarco me perguntava o que eu estava fazendo na reunião, já que eu não era atingida. Minha mãe é atingida, perdeu a casa dela em Pedras pelo rompimento da barragem de Fundão.

Hoje, eles até me reconhecem como atingida, né? Mas a gente não recebe nada, não. Meus irmãos… Ninguém recebe nada, porque eles falam que a gente não perdeu casa, que a gente mora em Mariana. Mas a gente não saía da casa da mãe, a mãe depende de nós, então nós não tínhamos hora de ir na casa de mãe. 

Hoje tá assim, né? Pra gente correr atrás de direito, a gente teve que arrumar advogada, porque ficou difícil. 

Sobre a casa da mãe, já tá comprada, né? Mas muita luta e batalha, muito choro. Não foi fácil, não. Não está sendo fácil, quer dizer… O meu caso e dos meus irmãos tá na mão de advogado, porque a Renova não quer, não aceita nosso direito, entendeu? Não tem como, ela não quer reconhecer os atingidos que foram atingidos indiretamente. Ela não reconhece, então quase todo mundo já tá no advogado mesmo. 

Marlene Agostinha Martins, moradora de Mariana

Seu Nonô e sua companheira, Dona Graciete, foram os últimos a serem resgatados da região onde moravam, em Pedras, após o rompimento da barragem. O casal temia sair do local por conta da segurança de seus animais, que estavam, como os dois, ilhados e sem água. A mula tão querida por Seu Nonô acabou atolada na lama tóxica de rejeitos e Seu Nonô não desistiu de tentar salvá-la até o último minuto. Ele contou essa história na edição no. 2 do Jornal A SIRENE. O animal acabou morrendo e, após cinco dias em condições precárias, Dona Graciete, com seu companheiro e seu filho, foi retirada do local com o apoio de um helicóptero. Até hoje, o casal não foi reassentado e seus filhos lutam por melhores condições. Graciete e sua filha, Sônia, nos contam como tem sido passar por tantos sofrimentos.

Por enquanto nada, viu? A gente já olhou vários terrenos, até hoje, não compraram nada pra nós, não, viu? Também não indenizou familiar nenhum até hoje. Nada foi feito. Nada de terreno, nada de indenização. Nem meus filhos, nem ninguém.

Estamos esperando, né? Deus ajuda se consegue arrumar alguma coisa, algum lugar pra poder morar, porque pra lá não tem condições de voltar, porque pra lá ficou uma tristeza, misericórdia. A casa não presta, não tem vizinho mais, o lugar ficou feio demais. Não tem condições, tem que arrumar um outro lugar pra gente morar. Lá não tem condições de morar duas pessoas idosas sozinhas, não, naquele lugar isolado. 

Graciete Martins dos Santos, moradora de Pedras

No dia do rompimento da barragem, meus pais sofreram muito por ver que tudo o que eles tinham havia se perdido. Um trauma que, até hoje, causa sofrimentos psicológicos. Depois do rompimento da barragem, eles tiveram que ficar no local por cinco dias por estarem ilhados. E não podiam sair de lá pelo fato de que os animais também estavam correndo riscos, tanto que sumiram alguns animais e também ocorreu a morte de uma mula muito especial, que acabou se atolando na lama. Meu pai e meu irmão tentaram retirar a mula de lá, mas não conseguiram, porque a lama era muito tóxica e já estava causando ferimentos em suas peles. Até que os responsáveis pela tragédia tomassem providência para cuidar dos animais, ele não queria sair de lá.

Depois, eles ficaram por um tempo no hotel até que arrumassem uma casa de aluguel provisória. Na primeira casa em que colocaram eles, eles não conseguiram se adaptar, porque ela tinha uma estrutura muito ruim, pois, quando chovia, alagava toda a casa e dava muitos ratos. Entramos em contato com a Renova para que pudessem retirar meus pais de lá. Com muito esforço, choro e humilhação, eles deram a resposta que iriam olhar outra casa para que eles se mudassem. E, hoje, completando quase cinco anos do rompimento da barragem, eles continuam morando de aluguel em uma casa pequena, que não consegue abrigar toda a família com conforto.

Meus pais são idosos e, a cada dia que passa, estão sofrendo e ficando doentes por saber que não estão conseguindo nada, que a Renova sempre fala a mesma coisa. Onde eles moram não tem como plantar nada, sendo que, antes, eles podiam plantar de tudo e criavam seus animais tranquilamente. Hoje eles ficam tristes por ver que tudo o que tinham e gostavam de fazer acabou. E sofrem também por ver que tudo o que eles produziam para o sustento da família acabou. 

Estamos cada vez mais cansados, tristes, angustiados por sempre recebermos respostas negativas. Só queremos ter os nossos direitos para que possamos seguir com a vida. Nós ficamos muito tristes, pois meus pais sofreram muito para criar a gente, podiam estar com a vida tranquila agora, mas a barragem tirou esse sossego deles. Só queremos um lugarzinho para que nossa vida possa voltar, pelo menos um pouco, ao que era antes, pois sei que ela nunca mais vai ser completamente igual ao que era. 

Sônia Nazaré dos Santos, moradora de Pedras

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