Enxadas, pás e força coletiva
Diante do descaso da Fundação Renova, pessoas atingidas abrem à mão estrada de acesso a Bento Rodrigues
Cansados da negligência da Fundação Renova, moradores e moradoras de Bento Rodrigues, munidos de pás, enxadas, picaretas, indignação e força coletiva, abriram, à mão, no dia 20 de março, um acesso à comunidade de origem. Desde janeiro deste ano, em função de um desabamento de encosta, a estrada que leva à comunidade estava interditada. Cobrada pela Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão de Mariana (CABF), a Fundação Renova prometeu resolver o problema até 27 de janeiro de 2022, o que não aconteceu. Membro da CABF, Mauro Marcos da Silva explica: “a gente cansou de implorar, tanto ao poder público quanto à Fundação Renova, para restabelecer esse acesso, imploramos por mais de dois meses”.

Por Ellen Barros, Wan Campos, Joana Rosário e Maria Luísa Sousa
Dá Cáritas MG
Antes disso, porém, a comunidade tentou resolver o problema pelos meios formais. A última tentativa foi realizada no dia 15 de março, quando estava prevista uma reunião entre a Prefeitura de Mariana, a Fundação Renova, a CABF e a Cáritas MG para tratar sobre o problema. No entanto, os membros da CABF e da Cáritas MG foram impedidos de participar da reunião com a Renova, deixados na espera até que ela acabasse para, então, escutar dos servidores da prefeitura que não houve encaminhamento para a resolução do problema, pois alegaram que a equipe da Renova que esteve presente não poderia decidir pelas manutenções das estradas.
A situação da via até Bento Rodrigues não é um caso isolado. As estradas de acesso às outras comunidades e distritos de Mariana atingidos pelo mar de rejeitos da Samarco, Vale e BHP também estão em situação precária. Deslizamentos de encostas e estradas esburacadas colocam em risco a vida de moradores, que já sofrem com as mais diversas consequências do rompimento da barragem de Fundão, desde 2015. Vicente Celestino, atingido de Paracatu de Cima, zona rural do município, relata o risco de acidente devido aos buracos na estrada que leva ao subdistrito. “Na semana passada, estourou um pneu e quase saí da estrada para o caminhão não bater em mim”, declara. Além do risco de morte, o dano material fica na conta das pessoas atingidas. “Perdi o pneu, a roda amassou e o prejuízo é da gente”, acrescenta.
A partir do acordo firmado em 2017, a responsabilidade pela manutenção dessas estradas é da Fundação Renova que, omissa, não faz os devidos reparos. “Desde que a barragem rompeu, que foi constituída a Renova, a gente fica brigando pra eles arrumarem a estrada e sempre eles fazem o paliativo, serviço muito ruim”, desabafa Mônica dos Santos, integrante da CABF.
A Assessoria Técnica Independente (Cáritas MG) tem apoiado a CABF nas recorrentes denúncias da situação e nas cobranças por resolução do problema. De acordo com o presidente da Comissão Municipal para Assuntos Ligados à Fundação Renova (COMAR), Newton Godoy, a prefeitura do município também está se movimentando nesse sentido. “A gente tem feito reuniões, conversas, notificações e cobranças sobre a manutenção desses trechos”, afirma. No entanto, a situação das estradas segue precária e a Fundação Renova continua impune. “O que foi acordado, que é de responsabilidade das empresas, são os moradores que estão fazendo”, indigna-se Mauro Marcos da Silva.
Ao risco de acidentes somam-se outras violações de direitos provocadas pela péssima condição das estradas, como o isolamento comunitário e a restrição do direito de ir e vir dessas famílias já assoladas pelas consequências do crime-desastre. “Esses dias, acabei encontrando mais barreiras para trafegar, o córrego encheu e não teve como passar”, afirma José de Félix, motorista atingido que faz o transporte escolar da comunidade de Ponte do Gama.