À espera dos templos, a comunidade do Bento celebra no território

Passava um pouco das três quando o padre Marcelo Santiago, acompanhado de dois seminaristas, se posicionou num corredor entre as fileiras de cadeiras de plástico, encostado na rede de vôlei, para caminhar até o altar improvisado e iniciar a missa. Na sombra da quadra coberta com seu teto muito alto, o calor de domingo dava um refresco para as cerca de 50 pessoas que estavam ali.
No dia 26 de março, ocorreu, no reassentamento de Bento Rodrigues, a segunda celebração no território. Ainda sem as igrejas de São Bento e de Nossa Senhora das Mercês prontas, sem conhecer os projetos por inteiro, os e as fiéis da comunidade utilizam o espaço da quadra poliesportiva da Escola Municipal Bento Rodrigues. Mais uma conquista da comunidade, que ainda aguarda, há mais de seis anos, o direito de rezar junta nas moradas do padroeiro e de Nossa Senhora.
A celebração vai se repetir a cada quarto domingo do mês, sempre às 15h. Em alguns, vai haver também catequese, às 14h. São momentos simples e com a cara do Bento. Com orações pelos falecimentos, graças pelas recuperações, cantoria, Zezinho, criança zanzando durante a reza, lembrança das lutas contínuas. São, acima de tudo, momentos de encontros.
Foi ali, na quadra, perto da trave do gol, que algumas pessoas se reencontraram. Não se viam desde que o crime da Samarco, da Vale e da BHP desarticulou muitos dos laços que uniam a comunidade, em novembro de 2015. Imagine, espalhadas pela sede de Mariana, algumas pessoas vão a igrejas diferentes, aquelas mais perto de casa. Outras perderam o gosto de celebrar. Muita gente ficou sem companhia para a missa.
A expectativa, agora, é começar a organizar a comunhão e trabalhar junto para, quando os templos chegarem, as pessoas estarem reunidas, em comunidade. Vai faltar muita gente que partiu ao longo desses anos de batalha e espera, mas há novas pessoas.
Na missa, o padre Marcelo orou pelas vítimas do rompimento da barragem de Fundão e por quem se foi desde então. Também orou pela construção do “novo Bento” e pela caminhada com cada pessoa de Bento Rodrigues, com a catequese, com as pastorais, para recomeçar.
Por Marcelina Xavier Felipe, Rosilene Gonçalves da Silva e Seu Zezinho
Com o apoio de Karina Gomes Barbosa
Fotos: André Carvalho
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“Rompeu o contato de sempre estar falando, indo junto à igreja, muita gente precisa de companhia. Minha mãe, pra ela ir, tem que estar indo alguém junto. Algumas pessoas, por estarem distantes, outros perderam o gosto de ir, porque, quando a gente celebra uma coisa que é da comunidade, tem a cara da comunidade.”
Rosilene Gonçalves da Silva, moradora de Bento Rodrigues

“No Bento, eu não perdia uma missa, uma festa. Em Mariana, parei de ir. Gostei aqui hoje, foi bonito, foi diferente. Vou voltar. Minha casa é aqui pertinho [da quadra].”
Marcelina Xavier Felipe, moradora de Bento Rodrigues
“O sentimento das pessoas foi totalmente diferente de quando a gente junta aqui. Foi simples, mas se sentiram bem mais à vontade para celebrar lá. Tem muita gente deprimida, mas fica mais feliz de celebrar lá.”
Rosilene Gonçalves da Silva, moradora de Bento Rodrigues
“Eu trabalhei com máquina, eu destruía a natureza, eu vi o que tá acontecendo com a gente.”
Seu Zezinho, morador de Bento Rodrigues
“O que quero é ver todo mundo junto. Ver projeto só, não tô essas coisas, não. Minha casa tá num projeto em cima do guarda-roupa. Eu quero ver é a coisa pronta. Claro que, no dia que entregar, não sei como vou reagir, quero que seja coisa muito boa. Não sei se vou passar mal, chorar.”
Rosilene Gonçalves da Silva, moradora de Bento Rodrigues

“A igreja é a comunhão. Ser comunidade em comunidade e ser comunidade com as comunidades vizinhas. Ser igreja, a igreja é cada pessoa. O templo é o local onde a pessoa vai se reunir. A gente conseguindo unir essa igreja, quando essa igreja templo chegar, fica mais fácil pra gente continuar essa comunhão com a comunidade, com o padre, com outras religiões, com quem não tem religião.”
Rosilene Gonçalves da Silva, moradora de Bento Rodrigues
Toda a comunidade do Bento está convidada a comparecer às celebrações, que acontecem no quarto domingo do mês, às 15h, na quadra da Escola Municipal Bento Rodrigues