A Igreja das Mercês pede socorro

Erguida no século XVIII e a salvo da lama criminosa da Samarco, Vale e BHP, em 2015, porque estava na parte alta de Bento Rodrigues, a Capela de Nossa Senhora das Mercês periga não resistir ao descaso da Renova. Não adiantou nada ter sido tombada, em 2018, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). O estado da construção é de puro abandono, o que coloca em risco a arquitetura colonial, a madeira entalhada e outros detalhes do prédio, uma das poucas memórias que restaram erguidas, no território de origem, à comunidade do Bento.
No dia 11 de maio, um grupo de pessoas atingidas acompanhou o então presidente do IEPHA, Felipe Cardoso Vale Pires, ao território para mostrar o estado de desmazelo do templo religioso. O padre Marcelo Santiago, que tem realizado celebrações da comunidade do Bento na sede de Mariana, no território e no reassentamento, participou da vistoria para representar a Arquidiocese de Mariana. Também estiveram presentes representantes do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (Compat), da prefeitura e do IPHAN.
Contudo, a mão da mineração interferiu novamente no destino do Bento, dessa vez de maneira indireta. Dias depois de vir à Mariana, Felipe Cardoso foi exonerado do cargo pelo governador Romeu Zema em meio à tentativa de aprovar a mineração na Serra do Curral, após um ofício do IEPHA declarar ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que o projeto da mineradora Tamisa não havia passado pelo órgão — o que tornaria qualquer licença para exploração ilegal.
Uma das reclamações da comunidade, e que tem sido ignorada, são as explosões realizadas pela Vale na região, que estariam acelerando a deterioração da construção histórica. Enquanto isso, a Renova ignora a situação do bem, que segue deteriorado, às vésperas da festa do Menino Jesus.
Por Padre Marcelo Santiago
Com o apoio de Karina Gomes Barbosa
“Foi uma visita que trouxe esperança, especialmente para aquela comunidade sofrida, de que haverá uma junção de forças no sentido de conseguir, para tão logo, a restauração completa da Igreja Nossa Senhora das Mercês, no antigo Bento, marco de identidade humana e cristã e de resistência, em suas lutas por justiça, respeito e dignidade. Uno-me, e comigo a comunidade religiosa, a todos os atingidos e atingidas nessa reivindicação. Mais que um patrimônio artístico religioso e histórico, essa igreja que se manteve de pé é extensão de cada família e memorial perene dos que ali viveram e, especialmente, daqueles que foram vítimas com o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão.
Haveremos de cobrar dos órgãos competentes e dos principais responsáveis a agilização necessária seja em relação à aprovação quanto à execução do projeto. A igreja que permaneceu de pé no antigo Bento é um sinal, um ícone a ser preservado e, para frente, a ser restaurado para fortalecer as lutas da comunidade para retomar, naquele lugar, sua vida e história.
A reforma desta igreja e a presença do povo podendo participar dos momentos religiosos e dos momentos que aglutinam toda a comunidade fazem a gente sonhar, para frente, que a comunidade possa voltar para aquelas terras ainda não definidas, que nós lutamos para que possam ficar na mão dos que são donos delas e que foram retirados à força. Um dia, com o descomissionamento dessas grandes barragens de rejeitos, quem sabe a comunidade possa voltar. A igreja vai significar, assim, para todos nós, um sinal emblemático, um sinal muito lúcido nesse momento também, para que a resistência seja grande e, um dia, a comunidade do antigo Bento possa retomar, como conquista, suas terras, a sua vida, a sua história, naquele lugar.”
Padre Marcelo Santiago