Em honra de quem ainda lutamos?

Mulher carrega coroa de flores em sala de audiência, com frase "Estão tirando nossas vidas".

Por Carla Gomes Barbosa e Janiele Arantes Pereira
com o apoio de Ellen Barros

Nós, da Cáritas MG, Assessoria Técnica Independente das comunidades atingidas de Mariana, nos solidarizamos e estamos ao lado das famílias atingidas na busca por garantias de seus direitos. Nesses anos em que estamos juntos, presenciamos momentos e ouvimos relatos de luta, esperança, dor e, infelizmente, luto. Mais de 100 pessoas se foram sem ver efetivado o processo de reparação. A perda de pessoas queridas, nesse contexto de conflito socioambiental, é sentida profundamente pelos(as) familiares e amigos(as), mas também por toda a comunidade. A dor, muitas vezes, é vivida junto à indignação, à revolta. A ira se converte em luta por dignidade, por moradia, pela retomada dos modos de vida, por justiça, em honra aos(às) que se foram. 

“Todo mundo sabe que minha avó era uma pessoa muito alegre, conversava com todo mundo, ria, brincava, ajudava meu pai no bar lá em Paracatu. Quando a gente saiu de lá e foi para Sumidouro, ela perdeu o gosto. Cê via no olhar dela a tristeza, ela não tinha mais aquela alegria, vontade de sair e conversar, até pra missa, que ela gostava muito, ela parou de ir. Aí juntou a tristeza com os problemas de saúde que ela já tinha e, infelizmente, em 2018, ela faleceu. Eu acredito que a morte dela tenha relação com o rompimento da barragem sim, pela tristeza que ficou nela. O sonho dela sempre foi voltar para Paracatu, ela só falava disso, que ela queria a casa dela lá, mas, infelizmente, não aconteceu.” 
Carla Gomes Barbosa, moradora de Paracatu de Baixo

“Minha avó, dona Tita, apesar de ter 93 anos, era uma pessoa ativa, tirava leite, plantava, colhia, era lúcida, conversava, era uma pessoa extrovertida, mas, quando aconteceu o desastre, ela foi obrigada a sair de onde foi criada e onde criou seus filhos. Aqui em Mariana, o cenário é totalmente diferente, ela não saía de casa. Ela esperou por anos uma solução por parte da Renova. Então, em 2020, ela caiu, quebrou o fêmur, ficou acamada e, em pouco tempo, ficou muito debilitada e veio a falecer. A gente fica indignada, porque o último pedido dela era voltar pra casa dela, morando na roça, mas isso não foi realizado.” Janiele Arantes Pereira, moradora de Ponte do Gama

“Meu pai, Edson, foi atingido em Bicas, subdistrito de Camargos. Ele ficou muito triste quando veio a barragem, em 2015, e devastou completamente o terreno dele. Com o rompimento, ele foi morar lá em Ponte do Gama, mas lá ele ficou sem rumo. Foi uma morte muito triste, ele foi assassinado no local onde ele passou a morar, no trajeto longo que passou a fazer para tratar dos animais. Naquela região acontecia muito roubo de animais e sempre ficava impune. Até hoje, infelizmente, não sabemos quem cometeu esse crime bárbaro. A Samarco acabou com a vida do meu pai, tirou ele do convívio dele.” 
Janiele Arantes Pereira, moradora de Ponte do Gama

“Um caso vai puxando o outro, meu pai faleceu em maio, minha avó [materna] em novembro. Minha mãe, Maria Julieta, ficou muito debilitada pelas duas perdas e, com isso, a imunidade dela baixou. Ela também sofria com uma doença séria, que ela tratava em Mariana. Aí veio a pandemia, ela debilitada, com imunidade baixa, pegou COVID-19 e, infelizmente, morreu. Uma coisa vai acarretando a outra, então o rompimento de Fundão influenciou sim na morte dos meus parentes, da minha família…”
Janiele Arantes Pereira, moradora de Ponte do Gama

“Aos que se foram, já passaram sete anos, parece que só agora as obras do reassentamento tão andando, mesmo que vocês não tenham tido o prazer de ver a casa de vocês reerguida, eu acredito que, de onde vocês estiverem, vão ficar felizes ao nosso lado. No dia da entrega das casas, vocês vão estar lá conosco, com seus filhos e netos.” 
Carla Gomes Barbosa, moradora de Paracatu de Baixo

“Eu digo aos que se foram que, se Deus quiser, seus familiares vão receber a reparação, que elas descansem, porque Deus vai fazer justiça. Peço a Deus para abençoar os que ficaram, como minhas tias e irmãos, que sofrem muito. Que a gente que está aqui corra atrás, porque é uma luta que foi iniciada e não é uma luta que pode ser interrompida. A gente não vai esquecer, vamos correr atrás sim, porque eles foram o início dessa luta e a gente não vai esquecer, vamos dar continuidade nessa luta e vai ser feita justiça sim, demore o que demorar.” 
Janiele Arantes Pereira, moradora de Ponte do Gama

Arte: Caritas MG