Indignação, luta e esperança

Na manhã do dia 5 de novembro, uma missa na Igreja das Mercês em Bento Rodrigues marcou os sete anos do crime da Samarco, Vale e BHP, até hoje sem reparação integral. O momento também homenageou as pessoas da comunidade que morreram sem ver a justiça ser feita, com a leitura dos seus nomes e uma cruz erguida para cada uma. Ao final da celebração, o padre Marcelo Santiago convidou todos/as a compartilharem sentimentos e experiências. Estiveram presentes, entre outros, deputados federais e estaduais e representantes da Cáritas MG, do MAB e da AEDAS.
Por Ida Anacleto, Juceli Andrioli, Luzia Gomes, Mauricelio Muniz, Mauro Silva, Mônica Santos, Verônica Medeiros, padre Marcelo Moreira Santiago, deputado Leleco Pimentel e deputado Padre João
Com o apoio de Pedro Henrique Hudson

“Sei lá se eu quero me manifestar, se quero pedir ajuda. Talvez seja desespero. Talvez alguém possa entender assim: “ah, tá manifestando”, mas, no fundo, no fundo, tenho que pedir ajuda. Nós, bento-rodriguenses, não estamos pagando IPTU, ITR ou qualquer coisa de nossas terras, são sete anos que eles fazem a vigilância. O que vai ser das nossas terras? Será que nós vamos ficar aqui mandando em nossas terras sem contribuir? Será que eles vão ficar aqui sete anos fazendo a vigilância sem acontecer nada? O que vai ser das nossas terras? Até parece que o novo Bento tá lindo, tá maravilhoso, lá a gente vai poder plantar, criar cavalo, a gente vai poder fazer tudo… Então, por favor, olhem o que vai ser das nossas terras, já são sete anos e o que vai ser de nós? Isso é um pedido de socorro, eu sou mineiro, hein, e o trem não tá bão pra nóis não.”
Mauricelio Muniz, morador de Bento Rodrigues
“As nossas belezas, a arquitetura de Mariana, as nossas igrejas, os modos como foram feitas e os artistas são nomes e renomes pelo mundo afora. Aí, quando houve isso [o rompimento da barragem], eu pensei: ‘então a gente está seguro, porque, se a nossa cidade e as igrejas antigas são as meninas dos olhos do mundo, por que abandonariam a gente?’. A nossa amada Mariana, ela é feita de igrejas antigas, tem uma tradição, tem uma história… Mas, como diz a Defesa Civil, se, hipoteticamente, todas as barragens romperem, nós somos o funil dela. Nós já estamos condenados a ser enterrados pela lama, não temos para onde fugir. Então, a Minas que é propagada pelo mundo afora pela cultura está em risco. A gente nem ouvia falar de mineração não, nos livros de Geografia não falava da mineração, falava do turismo, das igrejas, das pessoas com o modo de receber e a educação que os pais passavam para os filhos.
Hoje nossas pessoas estão doentes. O nosso povo não está participando de nada. Paracatu, esse ano, está quieto, em silêncio e observando. Tem um ditado que diz: “quando o boi tá ruminando, tá tudo bem, mas, na hora que ele começar a cuspir e começar a correr, corre”, porque ele saturou e vai vir, sim, uma resposta. A gente não é ignorante, não é bronco e não é sem cultura, pode ser sem leitura, mas a sabedoria, a orientação e a vivência nossa vão botar pra correr em algum momento. Está chegando no limite. Quem antes tinha muito e levava uma vida confortável e estava se preparando para uma velhice feliz, está tendo de se virar. Estou conversando com o pessoal para eles fazerem o exercício deles, entrar para dentro de casa, abrir a porta da sala e entrar no terreiro, porque, na hora que chegar no reassentamento, não tem nada. Não tem planta, não tem árvore, não tem amigos, não tem espaço para nada. Perguntei se vai ter paisagismo, se vai ter as plantas, as árvores. Disseram [Renova] que não. Perguntei: ‘então o paisagismo seus é grama?’. E eles responderam que é o que vão colocar. Respondi: ‘então vocês estão mandando a gente é pastar mesmo’. Está completo o argumento que eles querem e é o que nós temos que fazer, dar coice e partir para a luta.”
Luzia Gomes, moradora de Paracatu de Baixo

“Infelizmente, nós ganhamos um sobrenome que não fomos batizados, muito menos registrados, mas que hoje se fala assim ‘Mauro atingido’, quando muito ‘Mauro proprietário do ID tal’. Já que o número sete é representativo, eu gostaria que fosse representativo na crise dos sete anos, que, após os sete anos, as coisas pudessem caminhar, mas, infelizmente, eu tenho uma visão de futuro um pouco pessimista diante de tudo que já aconteceu. A gente vê as atrocidades que vêm acontecendo ao longo desses sete anos, famílias dizimadas, pessoas adoecendo, se entregando a outros caminhos. O que a gente tem a dizer é que o símbolo do dia de hoje não passe em vão. Eu sei que as pessoas que deveriam estar ouvindo não estão aqui, talvez estejam dando gargalhadas, os fariseus. Mas eu gostaria que quem vai nos representar no legislativo federal e estadual repasse, por favor, porque pessoas estão sendo retaliadas, as pessoas que ousaram se levantar contra os fariseus estão sendo retaliadas. Não tem nada de resolvido na vida dessas pessoas, talvez seja um recado para os outros: ‘não se metam com a gente porque senão vocês vão sofrer as consequências’. Não só as pessoas da comissão, mas também as pessoas que estão às voltas delas, estão sendo todos os dias retaliadas nos seus direitos.
Vamos seguir firme na luta, com a esperança de que a solidariedade que estamos encontrando desde 5 novembro de 2015 se perpetue até o final da luta. O lema de hoje é ‘enquanto há vida, há luta’ e eu digo, para os próximos anos, talvez para o ano, uma frase que aprendi com o Douglas, um atingido Krenak: ‘enquanto há bambu, há flecha’. Podem esperar porque nós não vamos nos calar e muito menos nos curvar diante dos poderosos.”
Mauro Silva, morador de Bento Rodrigues
“São dois sentimentos, primeiro de dor e indignação. De dor porque vem toda a recordação do que aconteceu com o rompimento da barragem de Fundão, e de indignação porque são sete anos que muitos aguardam pela reparação. Porque, além das 20 pessoas, 19 que morreram e uma criança que estava sendo gestada, nós já temos mais de cem pessoas só nessa região que já morreram na expectativa da reparação integral e completa. É uma questão de justiça que traz dor e sofrimento. O outro sentimento é de esperança, porque a nossa dor é uma dor que nos faz mais fortes para olhar para frente. Nós não podemos abrir mão, temos que resistir, mas resistir com esperança. Então aqui reforçamos as nossas lutas e o nosso compromisso de juntar forças para que possamos estar à altura dos desafios que enfrentamos.”
Padre Marcelo Moreira Santiago, pároco da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, Mariana
“Minha família retorna a Bento Rodrigues todo final de semana, não apenas nas datas comemorativas e quando faz aniversário do crime. O estar aqui para a gente é muito significativo, eu costumo dizer que o estar em Bento, o voltar para o Bento, como nós temos feito todos os finais de semana depois do rompimento, é uma forma de recarregar as energias.
Aqui é o nosso psicólogo. Eu desenvolvi síndrome do pânico, tenho ansiedade e provavelmente desenvolvi depressão, mas o meu médico e o meu remédio é estar em Bento. Estar aqui é mostrar para a Vale, a Samarco e a BHP que as terras, embora eles tenham tentado tomar da gente, continuam sendo nossas. Então é uma forma de resistir, é uma forma de lutar e uma forma de cuidar do nosso território.”
Mônica Santos, moradora de Bento Rodrigues

“Nenhuma comunidade no século XVIII ou em qualquer outro século se estabeleceu sem estar próximo da água, e não é à toa que hoje a água parece ser o elemento mais desprezado. Nos causa indignação ver as nossas águas serem apontadas como responsáveis por desastres, como o escorregamento de casas em Ouro Preto e Mariana, e não a mineração. Essas nossas terras foram mineradas, deixando no caminho os buracos onde os seres humanos tiveram como resto de lugar para viver. Este não é o caso de nossa Bento Rodrigues, que mesmo sendo um lugar de faiscadores e garimpeiros, que se instalaram aqui no século XVIII, foi pelas águas, pelo ouro de aluvião, que ela se desenvolveu. Aí a gente vê a ganância e “a força da grana que destrói coisas belas”.
Agora nós temos de reafirmar o nosso compromisso com os atingidos e as atingidas. No ano passado a gente reafirmava que precisava atuar também na política, e por isso mesmo conseguimos fortalecer um projeto político e hoje somamos um pouco mais de votos para ser mais um instrumento de luta na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, para atuar junto daqueles que não são fariseus e não se ajoelham ao deus dinheiro. Por isso, peço que não soltem a nossa mão e não deixem que no brilho dos nossos olhos a riqueza do ouro e da ganância substitua a vida que viemos aqui hoje reafirmar. Minha palavra é terna, é firme, e de compromisso com a comunidade de Bento Rodrigues.”
Leleco Pimentel, deputado estadual eleito (PT-MG)
“É impactante demais saber que há sete anos uma empresa, por causa da sua ganância, por causa desse terrorismo ambiental que acontece em Minas e no Brasil, dilapidou memórias, culturas e todo um passado. São problemas sociais gigantescos que essas três empresas (Vale, Samarco e BHP) criam em nossas cidades e sobretudo em nossos distritos.
Infelizmente Mariana não teve um olhar diferenciado dos gestores, um olhar que estivesse junto dos atingidos, junto dos territórios que realmente sofreram com o crime dessas empresas. E a gente sente muito porque, se desde o momento em que nós que fomos atingidos tivéssemos sido abraçados, nós estaríamos mais fortes hoje. Então é necessário que a gente caminhe mais juntos para combater a Vale, a Samarco, que já têm as suas licenças renovadas para minerar. Porque a Justiça teve tempo de agir, o Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) também teve, igual aos gestores de Minas Gerais, que nas suas alianças criminosas deixam a mineração avançar nos territórios, nos distritos, nas comunidades quilombolas. Por isso a gente vem acompanhando essa luta de quem está nos territórios, junto daqueles que não tiveram o seu olhar comprado pela Vale. E aí a gente continua juntos. Viva Bento Rodrigues, viva nossas memórias e viva nossos ancestrais.”
Ida Anacleto, moradora de Passagem de Mariana e assessora do deputado federal Rogério Corrêa (PT)
“O evangelho nos mostra Jesus Cristo enfrentando em muitos momentos os fariseus, os doutores da lei, e mesmo os sumo sacerdotes; ele enfrenta o poder econômico e o poder religioso. Agora, ao celebrar esses 7 anos, somos levados a comparar: o sistema judiciário está servindo a qual poder? Ele serve ao poder econômico ou está promovendo a verdadeira justiça? Porque não dá para agradar os dois senhores, promover a justiça e ao mesmo tempo servir ao poder econômico e às atividades econômicas que matam. Se a gente olha o sistema político, está a serviço do poder econômico, ou está a serviço da boa política?
Como diz o Papa Francisco, “política é a promoção do bem comum”. Então é nesse sentido que quando olhamos para trás, nós esperamos que estes sete anos não sejam apenas simbólicos. Na Bíblia o número sete é bastante simbólico mas que aqui não seja. Espero que em breve tenhamos justiça de fato. Por que se fosse um pobre, um trabalhador, que tivesse cometido um crime hoje ele estaria há sete anos preso. E até hoje não temos ninguém pagando pelo crime de Bento Rodrigues
É nesse sentido que estamos lutando. E esta é uma luta pela ocupação dos espaços institucionais, pelo aprimoramento da legislação, da política estadual dos atingidos e também da política nacional. Porque quando a gente amplia o nosso olhar para além de Mariana e Brumadinho, nós vemos milhares de famílias sem sossego. Seja em Barão de Cocais, Santa Bárbara, Paracatu, seja em Congonhas, temos milhares e milhares de pessoas que não têm paz por causa dos riscos da mineração.”
Padre João, deputado federal (PT-MG)
“Sou da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS) e nós prestamos a assessoria técnica em Barra Longa. Vindo para Bento Rodrigues eu fiquei muito tocada de ver como está o processo de reassentamento aqui e também de vincular e lembrar do povo de Barra Longa e Gesteira que não têm um tijolo em cima da terra hoje.
São sete anos de muita luta e muita dor e pouca coisa feita de fato. Deixo o meu abraço a toda a comunidade de Bento Rodrigues porque estamos hoje entre iguais e isso me conforta. Quem está aqui hoje está do lado certo do processo, sabendo que tem muita luta pela frente e que não somos poucos. Há uma bacia inteira do rio Doce vivendo um processo longo e demorado de não reparação, mas há também um processo de muita luta, muita resistência e muita força. São sete anos de luta e força e estaremos juntos nesses processos que virão, juntando as conquistas e as nossas forças para fazermos história juntos.”
Verônica Medeiros, AEDAS/ ATI de Barra Longa
“Passando pela Arena a caminho de Bento Rodrigues a gente ainda sente aquela angústia do que aconteceu há sete anos, de como está vivo o sentimento da injustiça que a Vale, a Samarco e a BHP cometeram aqui em Mariana. E chegando aqui a gente vê as pessoas que nós encontramos no primeiro dia e é muito bom saber que todos continuam na luta. Nós do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) vivemos muitos desafios a partir de Mariana e o principal deles foi o de tentar construir um movimento para lutar em toda a extensão da bacia do rio Doce e no litoral capixaba. São sete anos de muita resistência, de coisas muito difíceis que aconteceram e depois veio Brumadinho que só intensificou ainda mais o problema dos atingidos. E agora, a cada dia que passa, a angústia começa a ser grande novamente porque a gente não sabe qual vai ser a próxima, se é Congonhas, se é Barão de Cocais ou se é Macaco. Há bombas relógios instaladas em toda a Minas Gerais.
Nossos desafios de luta são muito grandes aqui em Minas e no Brasil, tanto do ponto de vista institucional quanto do ponto de vista popular. Nós vimos nesses sete anos que muitos atingidos acreditaram na Renova e passaram para o lado de lá, foram seduzidos pelas empresas. Imagina a grande maioria sendo prejudicada nesses sete anos. É inacreditável, ninguém acredita quando a gente fala que o Bento ainda não está reconstruído, porque não existe tecnicamente nada que justifique não ter construído o reassentamento em sete anos. E ainda agora eles tem a cara de pau de querer botar as pessoas em um canteiro de obras. Nós vimos hoje de manhã como é bonito a imagem quando a gente chega aqui, a amplitude, a visão das serras, das montanhas, como era bonito esse espaço e como que está lá o reassentamento em cima do morro. Isso é uma humilhação.”
Juceli Andrioli, coordenador geral do Movimento dos Atingidos por Barragens ( MAB)