Apesar das vitórias, luta por Justiça está apenas começando para os atingidos

Atingidos pela barragem da Samarco realizam passeata dois anos após a tragédia. Foto: Carlos Paranhos/Jornal A Sirene

Por Guilherme Meneghin (Promotor de Justiça)

O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.” – Rudolf Von Ihering, jurista alemão, em “A luta pelo direito”

Essas palavras, escritas em 1872, nunca fizeram tanto sentido quanto agora, na luta dos atingidos para reparação de seus direitos. Desalojados de suas casas, ignorados pelos poderes públicos, hostilizados pelos que defendem os criminosos, os atingidos de Mariana retiraram força da fonte que lhes restava: eles mesmos.

Nesse cenário adverso, o Ministério Público de Minas Gerais ajuizou diversas ações e executou medidas extrajudiciais que resultaram em vários direitos às vítimas de Mariana, muitos inéditos no Brasil, e que funcionaram como precedentes para todos os atingidos da Bacia do Rio Doce.

Abaixo, um compilado da atuação do Ministério Público de Minas Gerais que, como aliado dos atingidos, teve papel fundamental na aquisição de direitos nestes dois anos de intenso trabalho:

  • Bloqueio judicial de 300 milhões de reais da empresa Samarco, exclusivamente para a reparação dos direitos das vítimas de Mariana;
  •     Casas alugadas pelas empresas para as famílias desabrigadas;
  •   Parcelas de antecipação de indenização, nos valores de 100 mil, 20 mil e 10 mil reais, pagas no final de 2015;
  •    Auxílio financeiro mensal, recebido por meio do cartão, para as pessoas que perderam renda, não podendo ser descontado das futuras indenizações, um direito inédito no Brasil;
  •     Antecipação das indenizações pela perda dos veículos;
  •    Transporte para os servidores públicos da Escola Municipal de Bento Rodrigues;
  • Ressarcimento dos custos da energia elétrica, devido aos aumentos suportados pelas famílias após o deslocamento para Mariana;
  • Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o município de Mariana, para a distribuição dos valores arrecadados com as doações, o que resultou em R$ 3.139,84 para cada núcleo familiar;
  • TAC com a Arquidiocese de Mariana, que gerou a instalação da Feira Noturna, a publicação do Jornal A SIRENE e a reativação do time de futebol União São Bento;
  • Implementação da assessoria técnica aos atingidos, coordenada pela Cáritas Brasileira, que constitui direito inédito no Brasil;
  • Compromisso, por parte das empresas, de fazer os reassentamentos, com a efetiva participação dos atingidos;
  •  Compromisso de que serão construídas casas próprias para as famílias que viviam em imóveis alugados nos locais atingidos;
  • Inclusão dos proprietários com até 25 hectares no reassentamento de Paracatu de Baixo;
  • Seleção, pelos atingidos, dos terrenos a serem utilizados nos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo;
  •      Leilão dos objetos doados por celebridades para os atingidos;
  • Desistência da permuta de imóveis por parte das empresas;
  • Possibilidade de todos os atingidos responderem ao cadastro, necessário ao cálculo das indenizações;
  • Inclusão de, aproximadamente, 170 famílias que tiveram direitos rejeitados pelas empresas, por meio de ações do Ministério Público;
  • Novas parcelas de antecipação de indenização, nos valores de 20 mil e 10 mil reais, a serem pagas até 15/12/2017;
  •  Aquisição de cestas de Natal para as famílias, com os recursos doados pela Maçonaria.

É importante frisar que tais direitos foram conquistas dos atingidos e não “benevolência” das empresas. Não fosse a atuação do Ministério Público, apoiado coletivamente pelas vítimas, nenhum desses direitos existiria. Asseguro que cada protesto, frase de apoio e instante de união foram fundamentais para o êxito dessas demandas.

Mesmo assim, os reassentamentos acordados ainda não foram iniciados e as indenizações finais não foram pagas. O motivo? Negligência das empresas e da Fundação Renova, que cometeram diversos equívocos no último ano – o que exigiu a constante intervenção do Ministério Público.

Após dois anos e apesar das vitórias, a batalha pelo direito apenas começou. Inúmeros desafios nos aguardam, mas há a certeza de que a luta unida, incansável e constante trará a Justiça que todos os atingidos almejam.