A centralidade do sofrimento da vítima

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Por Edmundo Antonio Dias Netto Junior, Procurador regional substituto dos direitos do cidadão do Ministério Público Federal em Minas Gerais e membro das forças-tarefa Rio Doce e Brumadinho

[/vc_column_text][thb_gap height=”50″][vc_column_text]o colapso chegou sem dizer palavra

arrombando a porta

quando fomos tentar consertar

já era tarde

muito tarde

[…]

rio após rio após rio após rio

mortos, arruinados

das bacias hidrográficas

apenas longos caminhos de sujeira e lama

[…]

décadas e mais décadas de mineração predatória

rejeitos contaminados

arsênio alumínio manganês bário

mercúrio chumbo cromo cádmio

Fabiano Calixto (Memórias de um homem-bala)

 

O desastre-crime na bacia do rio Doce, tal como o colapso mencionado por Fabiano Calixto, também chegou sem dizer palavra às suas vítimas. Arrombou portas e também algumas vidas, algumas delas depois daquele 5 de novembro de 2015, que ainda não passou e que, até hoje, adoece e mata.

As vítimas ocupam posição central no processo de reparação. Sem essa centralidade, não há verdadeira reparação. Isso se dá não apenas no âmbito interno.

O mineiro Antônio Augusto Cançado Trindade, quando ainda era juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Servellón García e Outros versus Honduras, por exemplo, ponderou que, “por mais breves e efêmeras que tenham sido as vidas dos abandonados do mundo, e torturados e assassinados com brutalidade por seus semelhantes, ocupam estes, no entanto, como vítimas, uma posição central no Direito Internacional dos Direitos Humanos”. Atualmente na Corte Internacional de Justiça da Haia, esse grande magistrado, no caso Meninos de Rua, julgado pela Corte Interamericana, lembrou que “sentença (do latim sententia, derivada etimologicamente de ‘sentimento’) é algo mais que uma operação lógica enquadrada em limites jurídicos predeterminados”.

Lamentavelmente, a brutalidade humana é causa de desastres e a insensibilidade de determinados atores do processo de reparação os perpetua e os renova na vida de suas vítimas. Sentir a dor das pessoas atingidas traz a possibilidade de fazer estancar o desastre que se encontra em curso na bacia do rio Doce.

No caso do rio Doce, a centralidade das pessoas atingidas, como princípio norteador de todas as atividades e medidas adotadas, na perspectiva de se garantir o acesso à justiça e a participação efetiva das pessoas atingidas no processo de reparação integral dos danos sofridos e de garantia dos direitos de que são titulares, foi expressamente prevista – após longas rodadas de negociação – em um dos acordos (o Termo Aditivo ao TAP, de 16 de novembro de 2017) firmados pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais com as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton. Apesar do enorme esforço dessas instituições, tal princípio ainda não foi aplicado na prática (as Assessorias Técnicas só saíram do papel em três territorialidades e a Fundação Renova e as empresas que a controlam não dialogam com as pessoas atingidas, para ficarmos em apenas dois exemplos).

A previsão expressa, na legislação brasileira, do princípio da centralidade do sofrimento da vítima, facilitará a compreensão de critérios indispensáveis a uma reparação que se mostre eficaz, célere e integral. Por isso, é preciso buscar, com os parlamentares, a aprovação do projeto de lei 2.788/2019, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens – já aprovado pela Câmara dos Deputados e que, agora, tramita no Senado – e que dá a devida ênfase a esse princípio, essencial para que a reparação seja construída a partir da perspectiva dos titulares dos direitos violados.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]