Editorial (dezembro/2017)

Mais um dia 5 chega para marcar o desastre criminoso de Fundão. O passar do mês de novembro trouxe consigo os desafios do esquecimento midiático e a dúvida sobre o efetivo acompanhamento da sociedade e dos poderes públicos em relação à reparação demandada pelo crime. Saímos, mais uma vez, dos holofotes para assumir a desgastante luta que travamos em nosso cotidiano – na maior parte das vezes, de forma silenciosa.

Entraremos no terceiro ano de tragédia atravessados pelo sentimento de injustiça e por um estado de sofrimento que se renova a cada violação de direito. Para alguns, “nada novo” nas denúncias que fazemos – apenas “mais do mesmo”. Duro é perceber que não estão, de todo, equivocados.

Já para as empresas mineradoras e seus braços de atuação, nossa dor continua sendo usada como recurso para a desmobilização e estratégia de enfraquecimento, pessoal e coletivo. Como podem?

Como podem, após diversas reportagens, darem conta da atestada insuficiência do trabalho da Fundação Renova/SAMARCO, pretenderem o desbloqueio dos R$ 300 milhões, que, para os atingidos de Mariana, oferecem uma segurança mínima em relação às reparações? Para uma empresa que lucrou, só entre 2010 e  2014, R$ 13,4 bilhões de reais, o que significa esse montante? Não muito mais do que uma tentativa de nos desgastar e demonstrar como os poderes econômicos se agigantam sobre qualquer prerrogativa de direitos humanos.  

Se, no caso da tentativa de desbloqueio, os atingidos saíram vitoriosos – uma conquista coletiva, organizada e fortalecedora! -, em relação ao reassentamento, a luta não apresenta horizontes fáceis para a resolução dos conflitos. Recebemos, consternados, a notícia de que as empresas negaram a tentativa de conciliação na qual vincularíamos multa diária ao não cumprimento do prazo de entrega das nossas casas, e na qual discutiríamos condições para os reassentamentos familiares das comunidades rurais.

Fazendo um balanço do ano, encerramos 2017 divididos entre a certeza da continuidade da luta e a expectativa pelas conquistas do futuro. Com todos os desafios, derrotas e cansaços, o saldo não deixa de ser, por um lado, positivo. 

Percebemos, mais uma vez, que as mineradoras usam o tempo como estratégia para diminuir a força das comunidades – que, sem espaço físico, resistem no coração de sua gente. Enquanto os moradores de Bento se lançam em mais uma rodada de oficinas para a discussão de seu projeto urbanístico, Paracatu luta para encontrar um caminho coletivo em meio às dificuldades do reassentamento – ausência que se materializa ainda na busca por um lugar que possa abrigar, temporariamente, a escola do subdistrito. Após meses de indiferença por parte da Fundação Renova/SAMARCO, os moradores de Gesteira, distrito de Barra Longa, fortalecem espaços coletivos de troca e retomam a pressão para que o reassentamento da comunidade ganhe prioridade nas agendas de reparação.

Fazendo um balanço do ano, encerramos 2017 divididos entre a certeza da continuidade da luta e a expectativa pelas conquistas do futuro. Com todos os desafios, derrotas e cansaços, o saldo não deixa de ser, por um lado, positivo. Estamos distantes no espaço, porém, mais alinhados em relação ao futuro que queremos. Descobrimos, nas histórias de nossa gente, uma força que desconhecíamos, e que, hoje, sustenta novas formas de ser comunidade. Em casas que não são nossas, celebramos, na forma do Natal, a esperança que nasce de Marias e Josés, com a força e o otimismo de todos os atingidos e atingidas com os quais dividimos nossa causa.

Por fim, terminamos este ano, como tantas famílias, em estado de oração e agradecimento. Nossa situação não é, definitivamente, boa ou confortável – inclusive, é pelas mudanças necessárias que dedicamos nossas preces. Contudo, através desses agradecimentos, fortalecemos nossas redes de apoio e solidariedade, nutrimos sentimentos positivos em nossa alma e refazemos nossas esperanças sobre o ano que está por vir. Como na metáfora que, neste mês, nos é capa, buscamos inspirações na sabedoria do pensamento coletivo das abelhas, para nunca esquecermos que estar juntos é um bom caminho para recordarmos o que havia de doce na vida que tínhamos, em nossas tradições, nos lugares onde estão nossas origens e, assim, pensarmos nas possibilidades de destino pelas quais precisaremos lutar.

Talvez, um dos maiores desafios em ser atingido, em conviver com um estado de constante violação de direitos, seja o de não se deixar envenenar pelo sofrimento e pela revolta. No fundo, como qualquer pessoa, queremos apenas chegar no limite do dia 31 para poder desejar e esperar, verdadeiramente, um “feliz ano novo”.