Os processos contra as mineradoras

Além da Ação Civil Pública (ACP), ajuizada em 2015, em Mariana, pelo Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG), outras ações judiciais foram apresentadas à Justiça brasileira, para visar à condenação da Samarco, da Vale e da BHP Billiton do Brasil. Existe, ainda, uma ação contra a BHP, que está sendo movida na Inglaterra. 

Por Caromi Oseas (assessora técnica da Cáritas) e Juliana Carvalho

Processo no Brasil

A ACP movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra as empresas mineradoras envolvidas no rompimento da barragem de Fundão tramita desde 2016 na justiça do Brasil.  A ACP, que previa 155 bilhões de reais em reparação, foi suspensa em 2018, após um acordo (TAC Governança) realizado entre o MPF, os ministérios públicos dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, as defensorias públicas desses Estados e da União, e mais nove órgãos públicos, além das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton do Brasil. O acordo estabelecia que as empresas rés deveriam, em até dois anos, incluir os(as) atingidos(as) nas decisões sobre reparação, garantir a contratação de assessorias técnicas independentes para as comunidades atingidas, se comprometer com a reparação justa e integral pelos danos que vieram após o rompimento da barragem de Fundão, entre outras medidas. Passados dois anos, o MPF entende que as empresas não cumpriram com o TAC Governança e, por isso, pedem pela retomada da ACP de 155 bilhões de reais. Caso seja retomada, isso não exclui as obrigações das empresas perante o TAC Governança.

Além dessa ação movida pelo MPF, existem outras ações civis públicas movidas pelos ministérios públicos de outros Estados e cidades, como em Mariana, além de ações individuais de pessoas atingidas contra as empresas que causaram os danos. 

A ação inglesa

Desde 2018, existe uma ação que corre na Inglaterra contra a BHP Billiton, uma das mantenedoras da Samarco, pelo crime do rompimento da barragem de Fundão. Essa ação foi iniciada pelo escritório PGMBM e representa mais de 200 mil atingidos, além de prefeituras de localidades atingidas pelo rejeito. Em novembro de 2020, o juiz Mark Turner recusou o andamento do processo contra a mineradora. O escritório pediu à Justiça britânica a permissão para apelar contra a decisão do juiz para garantir o prosseguimento do processo contra a BHP. No entanto, o pedido foi negado. Atualmente, o escritório está trabalhando no recurso cabível e medidas em outras jurisdições também.

Voltando ao Brasil…

As pessoas atingidas possuem completa liberdade de prosseguir em ações, tanto nacionais quanto internacionais, contra as mineradoras que lhes causaram danos materiais e imateriais. Entretanto, para a ciência do Direito, ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime, da mesma forma que ninguém pode receber duas indenizações pelo mesmo dano sofrido. Assim, para cada dano, cabe apenas uma indenização. 

O rompimento da barragem de Fundão, entretanto, não causou apenas um ou dois danos, mas vários, muitos deles continuados, pois ainda geram prejuízos. Além disso, nesse intervalo entre o rompimento e a conclusão da reparação integral, podem surgir novos danos a cada dia. Assim, o justo é que essas pessoas sejam indenizadas por todos esses danos de modo que esteja claro o valor pago pelo prejuízo material ou imaterial sofrido. É como ir ao mercado: não é o carrinho cheio que possui um único valor, o valor da compra é a soma do valor de cada um dos produtos que estão nesse carrinho. 

A Matriz de Danos – elaborada pelas comunidades atingidas, junto à Cáritas Regional Minas Gerais e em parceria com pesquisadores(as) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Agroequilibria Ltda. – é um instrumento que pode e deve ser utilizado como referência para o cálculo dos valores de indenização justa para cada um dos danos causados pelas mineradoras, diferentemente da Matriz da Renova, que apresenta valores fixos para apenas uma parte dos danos causados e que reúne alguns danos em apenas um valor. 

Além disso, há informações de acordos propostos pela Renova, em Naque e em Mariana, em que as pessoas atingidas são levadas a desistir de prosseguir na ação inglesa contra a BHP. 

A partir daí, vários problemas se desenvolvem, ainda que a pessoa atingida não possa receber duas indenizações pelo mesmo dano (por exemplo, aqui no Brasil e lá na Inglaterra). O que vem ocorrendo é que as indenizações não têm sido justas e, tampouco, contemplam todos os danos que deveriam. Ainda assim, o juiz da 12ª Vara Federal, em Belo Horizonte, Mario de Paula Franco Junior, determinou que, ao receberem tais pagamentos, deveriam declarar quitação integral – o que admite que TODOS os danos foram devidamente indenizados pelas empresas. Ao declarar quitação integral, a pessoa atingida está, automaticamente, impedida de receber os valores indenizatórios que faltam e que poderiam ser obtidos  em outras ações. 

E agora?

O Jornal A SIRENE apoia a luta das comunidades atingidas pela utilização da Matriz de Danos desenvolvida em parceria com as instituições já citadas. Essas pessoas têm direito de ajuizar ações para buscar a reparação de todos os danos sofridos. 

A imposição de uma cláusula de quitação integral, mesmo quando não são pagas corretamente todas as indenizações relativas aos danos, é uma atitude que viola os direitos dessas pessoas, porque as obriga a desistir daquilo que ainda não foi pago.