Decisão judicial ignora luta coletiva das pessoas atingidas

Pessoa sob pano negro segura cartaz escrito Justiça de ponta cabeça

No dia 4 de março, a juíza Marcela Decat, da Comarca de Mariana, deu uma sentença que coloca em xeque uma pauta importante da luta coletiva das pessoas atingidas, que é o direito à compensação justa. Ela decidiu que a quitação das compensações para reparar os danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão (a decisão sobre o valor ou a forma das compensações) deve ser feita individualmente, caso a caso.

As compensações são necessárias, porque as famílias atingidas têm o direito de receber imóveis com características iguais ou superiores aos que tinham antes do desastre-crime, mas, em muitos casos, as diferenças dos imóveis nos reassentamentos são para pior e, por isso, as famílias precisam ser compensadas.

Segundo a juíza, as diretrizes estabelecidas em 2018 abrem as portas para que cada pessoa atingida cobre a compensação na Justiça, individualmente.

Por Karina Gomes Barbosa e Ellen Barros

Legitimidade

Mãos de mulheres segurando cartaz amarelo escrito A justiça tem que estar do lado dos atingidos!

Na visão da juíza, as possíveis diferenças são exclusivamente patrimoniais e de direitos disponíveis. Por isso, não haveria interesse social que permitisse ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) entrar com a ação coletiva. Na sentença, a Justiça acolhe o pedido das mineradoras e declara a ilegalidade do MPMG no caso.

Como não haveria legitimidade do MPMG na ação, a juíza extinguiu o processo sem resolver seu mérito, quer dizer, sem resolver o problema.

A proposta para as compensações construída pela Assessoria Técnica Independente (ATI) Cáritas MG junto às pessoas atingidas e apresentada no processo é fruto de muita escuta dos desejos e das necessidades das comunidades atingidas ao longo de mais de cinco anos. Segundo a decisão, essa proposta é unilateral.

Na prática, isso significa que, nas ações individuais, seria necessário um perito judicial, indicado pela Corte, para apurar se existe, mesmo, divergência entre o dano e o que está sendo reparado. E, se houver, ele deve indicar como deve ser feita a compensação.

A ação

Em meados de 2020, depois de muitas reuniões e audiências sobre compensação sem que houvesse acordo, pois as mineradoras não aceitavam nenhuma proposta e metodologia apresentadas pelas pessoas atingidas com ajuda da ATI, o MPMG ajuizou a ação de cumprimento de sentença (que busca garantir que as mineradoras paguem ou façam o que a Justiça determinou).

A ação pedia à Justiça para definir critérios e valores das compensações financeiras pelas perdas não restituíveis decorrentes do rompimento da barragem de Fundão.

O pedido de cumprimento de sentença foi motivado pela repetida recusa das mineradoras Samarco, Vale e BHP em aceitar as propostas para definir critérios e valores para essas compensações.

Na época, o MPMG relatou situações em que pessoas atingidas estavam recebendo imóveis com dimensões ou características inferiores às propriedades destruídas pelo rejeito da mineração, como terrenos menores, área menor de plantio, diferença de tamanho de testada (a largura da frente do terreno) ou declives maiores (terrenos com fundos mais baixos que o nível da rua). Sem contar, claro, os recorrentes atrasos nos reassentamentos, mais uma violação dos direitos das pessoas atingidas.

Valores

Na ação original, o MPMG estabeleceu a causa em 1 bilhão de reais. A juíza Marcela Decat considerou o valor muito elevado e afirmou que prejudicaria o direito de defesa da Samarco, Vale e BHP. Na sentença, a juíza acolheu o pedido das mineradoras e reduziu o valor da causa para 500 mil reais.

Segundo a plataforma Economatica, o valor de mercado da Vale, em abril, era de 452 bilhões de reais.

Na ação, o MPMG pedia ainda multa diária de 3 milhões de reais em caso de descumprimento da sentença, além de suspensão das atividades das mineradoras, entre outras medidas.

E agora?

No dia 11 de abril, o Ministério Público de Minas Gerais entrou com recurso contra a decisão. Logo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2a Instância do Judiciário, irá decidir o recurso e declarar se o MPMG tem ou não competência para pedir cumprimento de sentença (execução coletiva) no caso.


Para acompanhar o andamento do processo no sistema de consulta eletrônica do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o número é 5001070-93.2020.8.13.0400.