O “emergencial” da Renova segue em atraso

Mulher segura cartão emergencial da Renova, ao fundo as árvores que não dão frutos como antes do rompimento

Passados mais de seis anos do rompimento da barragem de Fundão, as comunidades atingidas ao longo da bacia do rio Doce ainda sofrem com os reflexos causados pelos rejeitos da Samarco, Vale e BHP. Famílias que tinham sua fonte de renda com o plantio e a pesca em seus quintais lutam para receber o cartão de Auxílio Emergencial, um direito que, em muitos casos, está sendo negado.

Por  Clara Alves Pereira Ribeiro, Márcia Mary Silva e Odete Cassiano
Com o apoio de Joice Valverde e Maria Eduarda Alves Valgas

A respeito dos cartões, a Renova só voltou com aqueles que eles tinham cortado a metade, como foi no meu caso. Os que eles cortaram de uma vez não voltaram ainda não. E já que os cartões só poderiam ser cortados quando os nossos quintais estivessem produzindo, então fica mais difícil ainda deles cortarem, porque nossos quintais não estão produzindo. E como o rio está assoreado com rejeito da Samarco, em qualquer chuva, entra água nos nossos quintais e com rejeito. No meu quintal, por exemplo, foi retirada a lama e agora o rejeito está todo no quintal de novo. 

Odete Cassiano (foto), moradora de Barra Longa

Eles cortaram meu cartão, ficou um ano sem pagar, porque falou que era auxílio de subsistência, só que, agora, depois que deu a sentença, aí voltou e voltou o retroativo. Mas o do meu irmão, Sebastião da Fonseca Silva, cortou de uma vez e não voltou. Ele está fazendo tratamento psicológico e o dele não voltou. Só voltou esses que falou que é de subsistência. Esse cartão tem que voltar de todo mundo até a pessoa receber indenização. Meu irmão faz tratamento e eles cortaram o auxílio dele mesmo com o laudo, e não avisou hora nenhuma que ia cortar o cartão. Esse auxílio é tudo na vida do pessoal atingido, porque, até hoje, eles não arrumaram nada. Aqui em Barra Longa, não tem uma fonte de renda, as coisas estão muito caras e muita gente vai passar dificuldade.

Márcia Mary Silva, moradora de Barra Longa

A maioria do povo de Santana do Deserto, município de Rio Doce, ainda não pegou nada. Não pegaram nem um centavo da Renova. Os que pegaram aqui foram mixarias, mas mais da metade da população ainda não pegou.

 Clara Alves Pereira Ribeiro, moradora de Santana do Deserto

Pra gente, foi bom ter voltado o cartão integral porque deu um desfalque muito grande, a gente chegou a contrair até dívida, agora deu pra quitar, graças a Deus. E eu espero que o Ministério Público não deixe eles cortarem nosso cartão enquanto eles não compram outro lugar pra gente produzir, porque na beira do rio não tem como mais não. Qualquer chuva que dá e que o rio entra no quintal, a primeira coisa que vem é lama, rejeito e muito rejeito. Tá aqui no meu quintal. A prova disso tá para qualquer um ver, pode vim ver. E deveria voltar os cartões também de quem foi cortado totalmente.

Odete Cassiano, moradora de Barra Longa


ENTENDA O CASO

O Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) é um direito garantido por meio da Ação Civil Pública (ACP) ajuizada em dezembro de 2015, pouco depois do rompimento da barragem de Fundão. A ACP prevê que o auxílio seja destinado individualmente a toda pessoa que teve sua fonte de renda afetada em decorrência do rompimento, como agricultores(as), trabalhadores(as) rurais, pescadores(as) e marisqueiros(as), ou seja, pessoas que dependiam da terra e do rio para garantir sua subsistência. 

Esse direito, no entanto, vem sendo constantemente desrespeitado pela Renova, que, além de dificultar o reconhecimento das pessoas a serem reparadas, ameaça o corte de quem recebe o auxílio. Os problemas surgiram já no início do cumprimento da ordem judicial, quando a Renova passou a distribuir apenas um cartão por núcleo familiar, o que obrigou as pessoas atingidas a judicializar o pedido individual do auxílio emergencial. 

O primeiro corte coletivo de cartões ocorreu em 2019, quando a Renova cancelou o auxílio de 141 famílias, sob o argumento de não preenchimento dos critérios estabelecidos. A violência se repetiu em 2020, quando 7.681 auxílios foram cancelados por, segundo a Renova, não corresponderem aos requisitos do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC). Na ocasião, a empresa afirmou ainda que se tratavam de pessoas que já haviam recuperado as condições para retomar sua atividade econômica, sem considerar, porém, o rejeito ainda depositado no solo e na água dos territórios atingidos. 

Após intervenção da Advocacia-Geral da União (AGU), o juiz da 12ª Vara Federal determinou o restabelecimento do pagamento do AFE e sua prorrogação até o final daquele ano. A decisão do juiz estabelecia ainda a categorização de “pescadores(as) de subsistência” e “agricultores(as) de subsistência”, ou seja, pessoas que exerciam tais atividades apenas para consumo próprio ou familiar. Para essas pessoas, ficou determinada a redução de 50% do valor do auxílio de janeiro até junho de 2021. Após essa data, os(as) agricultores(as) e pescadores(as) passaram a receber apenas cestas básicas, os denominados Kit Proteína e Kit Alimentação.  

Agora, em abril de 2022, o auxílio foi restabelecido, porém, com a Renova mantendo sua falta de transparência quanto aos critérios, apenas algumas pessoas receberam o pagamento.