Casa ou canteiro de obras?

Homem sentado em frente a canteiro de obras com cartaz "os atingidos com o sonho de voltar para casa"

No dia 31 de agosto, aconteceu uma assembleia com o promotor Guilherme Meneghin, do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), sobre a entrega, pela Renova, das casas para as famílias atingidas no reassentamento de Bento Rodrigues — entre outros temas (leia mais na página 8). O Centro de Convenções de Mariana foi palco de discussões sobre a conclusão das moradias e possíveis indenizações.

Quase sete anos após o crime-desastre, 47 é o número de obras “finalizadas” pela Renova, o que não significa que as casas estejam prontas e que seja possível habitá-las neste momento. Até agora, nenhuma moradia foi entregue. No entanto, várias pessoas que estavam presentes na assembleia relataram que receberam ligações e visitas dos funcionários da Renova em que ofereceram a oportunidade de retorno em dezembro. 

Meneghin reforçou a sugestão do MPMG de as pessoas atingidas não aceitarem o retorno parcial das comunidades aos reassentamentos, mas ressaltou que é uma decisão que cabe à cada família. A reunião foi um momento de expor ideias e de reivindicar direitos. Uma das preocupações com a entrega parcial das casas envolve questões de segurança, tendo em vista que o reassentamento ainda é um canteiro de obras, com milhares de trabalhadores, máquinas pesadas, poeira e materiais de construção, espaço pouco adequado a um núcleo comunitário de moradia. Segundo o promotor, o MPMG não irá recomendar oficialmente à Prefeitura de Mariana o retorno das escolas para os reassentamentos até a conclusão de todas as obras.  

Por Luciene Maria da Silveira Alves e Mauro Marques da Silva
Com o apoio de Stephanie Geminiani e Tatiane Análio

Fotos: Joice Valverde

“A Renova vem dizendo que tem 47 casas prontas quando, de fato, não existem 47 casas prontas. As casas estão com obras finalizadas. Isso não quer dizer que estão prontas. Todos os dias que a gente vai lá tem movimentação de funcionários nessas casas, estão fazendo um reparo, uma pintura, retocando alguma coisa e, para a casa estar pronta de fato, em condições de ser habitada, ela precisa do Habite-se da prefeitura. Além do Habite-se, a documentação precisa estar ok. É preciso que a documentação do cartório esteja pronta. Eu acredito que as pessoas não podem aceitar uma casa sem a documentação estar no nome delas, e isso demanda tempo. A gente sabe que, no cartório, não é de um dia para o outro que vai fazer a documentação. Há a possibilidade de conseguir uma documentação provisória, mas isso não é legal, porque uma documentação provisória não quer dizer que a casa seja sua. É a mesma coisa de você comprar um carro, pagar e ter uma documentação provisória. A Renova é mestre em fazer as coisas pela metade, nunca faz tudo. Ela não é honesta com as pessoas, ela tem feito ruas de lazer, cinema, missas, atividades nas escolas. Tudo isso ela diz que faz parte de um plano para as pessoas já irem se habituando com o local, porém o que ela não fala é que, quando as pessoas se mudarem, quando as 47 casas forem entregues, vai ter mais de 3 mil homens trabalhando no canteiro de obras. As crianças, as adolescentes, os jovens e até mesmo os adultos vão ficar expostos a esses 3 mil homens. Dentre esses homens, há pessoas de todos os lados e todas as índoles. Os riscos que isso pode trazer são grandes. Além de que, no ano passado, nós enfrentamos um período de chuva e lá tiveram vários problemas, e é uma coisa que nunca aconteceu no Bento, casas sendo alagadas por inundação e barrancos caindo. É preciso ver se essas casas realmente estão em condições de serem habitadas. O que a gente insistiu com o promotor é que, se a Renova insistir em levar algumas pessoas para essas casas, que ela assine um termo de responsabilidade pela vida dessas pessoas. A Renova pressiona as pessoas a se mudarem para a casa nova, porque, se elas não se mudarem, ela corta o aluguel, ou seja, a pessoa fica sem alternativa.”

                                                        Mauro Marques da Silva, morador de Bento Rodrigues

“No momento, não existe uma resposta. Quando chegar o momento de devolver as casas é que vamos ver como vai estar o reassentamento, o canteiro de obras, porque, do jeito que o canteiro está, não tem como voltar. Mas, pelo que falam em reuniões, não vai ter como voltar. O canteiro de obras, o fluxo de veículos, máquinas, homens trabalhando, vai tudo continuar lá e, sem segurança, não tem como. Muitas famílias têm crianças: com as máquinas, veículos, homens trabalhando é inviável. Também queremos esperar passar o período das chuvas pra ver como está a segurança das obras, das ruas, das casas, aí que vamos ver se vai ter algum problema, porque corremos o risco de ter problemas com chuva e não ter como voltar atrás. A gente tem a ansiedade de voltar pra casa sim, mas parcialmente, do jeito que está, não fico empolgada não. Não adianta mudar pra lá com tantas obras ao mesmo tempo, não vamos ter sossego. Pelo menos 80% das casas deveriam estar prontas pra começar a levar as pessoas de volta. Onde tem homens e máquinas não deve ter terceiros envolvidos. No caso, pra nós, moradores, é perigoso. Me preocupo mais com a segurança mesmo.”

Luciene Maria da Silveira Alves, moradora de Bento Rodrigues