Contra as violências de quem devia reparar

São sete anos de luto, sete anos de luta. Muito tempo de espera, mentiras, reclamações, atrasos. Nesse período, assistimos a uma organização que se diz fundação usurpar direitos e narrativas das pessoas e comunidades atingidas. Parece claro que o objetivo da Renova não é mediar uma reparação justa para quem perdeu – e continua perdendo até hoje – toda uma vida desde o dia 5 de novembro de 2015, não é garantir dignidade de futuro.
Nos últimos meses, temos visto a Renova tratar o pouco que fez (quando já deveria ter feito tudo aquilo para que foi criada) como vitrine, marketing, propaganda. Tenta ludibriar a imprensa, cercear coberturas críticas. E pior: transforma um reassentamento, promessa de território de afetos e memória, em ponto turístico.
A gente explica: no começo do ano, a Renova tentou constranger A SIRENE de acompanhar uma vistoria ao reassentamento de Paracatu de Baixo ao lado das pessoas atingidas e de representantes da Prefeitura de Mariana. Lançou mão da tática de sempre: tentou colocar em lados opostos o jornal e a comissão. Não conseguiu.
Na 29a edição do Iron Biker, que ocorreu em Mariana, em setembro, a Renova incluiu o reassentamento de Bento Rodrigues como parte do percurso, como sempre, sem, no mínimo, informar a comunidade atingida. Ponto turístico, lugar de aventura.
Fotografou tudo e estampou nas redes, como se fosse dona do lugar. Deixou de contar um pedaço grande da história: os adiamentos na entrega das casas; a condição de canteiro de obras a que irá expor as famílias que se mudarem; o tanto de coisa por fazer; o estado ainda mais precário de outras intervenções ao longo da bacia do rio Doce; a truculência jurídica contra quem ousa reclamar; o descaso com as pessoas atingidas que clamam por direitos.
Depois, às vésperas dos sete anos, a Renova tentou ficar bem na fita de novo: convocou uma coletiva de imprensa com veículos importantes para vender um peixe imaginário. Estavam lá jornais, TVs, sites, da Região dos Inconfidentes, de Minas e do país, para escutar a lenga-lenga dos executivos, ver imagens bonitas e ilusórias.
De novo, às escuras, na calada da rede, com uma mensagem dirigida somente a veículos de Belo Horizonte e a alguns, escolhidos a dedo, da região. Mas, mesmo sem terem sido convidadas pela Renova a se sentarem à mesa, estavam lá também pessoas atingidas. Foram dispostas a se fazer ouvir, a se manifestar, a narrar as violências que continuam sofrendo da mineração desumana, que destrói e continua destruindo quando diz que vai reparar. Que viola e desrespeita as pessoas atingidas ao varrer pra baixo do tapete tudo de errado que vem fazendo.
Por José Nascimento de Jesus, Seu Zezinho, e Sandra Quintão
Com o apoio de Karina Gomes Barbosa

“Não é acidente. Essa árvore eu plantei de coração. Fiz um banco pra gente jogar truco todo fim de semana, assar um churrasco, igual nós fazia… Cantando, divertindo, na maior felicidade. Nós morava num paraíso. Sabe o que que é paraíso? Eu tirava leite, eu fazia queijo, eu vendia queijo, eu colhia alface, eu colhia almeirão, colhia do mato, comia de um tudo. Hoje a gente tem que comprar tudo.”
José Nascimento de Jesus, Seu Zezinho, morador de Bento Rodrigues
“Os atingidos somos nós. Aí [na mesa] ninguém sofreu o que a gente sofreu, não. Quero que você me mostra onde está o Bar da Sandra pra eu começar meu trabalho de novo. Cadê? Cadê, gente? Sete anos! Sete anos… Empresa BHP, Samarco, é grande. O povo de Bento, cada hora, me fala na minha microlanchonete: ‘eu vou embora… Porque meus conterrâneos tão ficando na cidade’. Por quê? Porque a Renova falha, falha. Renova é falha.”
Sandra Quintão, moradora de Bento Rodrigues