Oito anos após Fundão, a Prefeitura de Mariana se equilibra entre a reparação e as mineradoras

Foto: Yasmim Paulino

Celso Cota não era mais prefeito de Mariana havia quase cinco meses quando a barragem de Fundão (Samarco/Vale/BHP) se rompeu, em 5 de novembro de 2015. Sua segunda passagem pela prefeitura foi interrompida devido a uma perda de direitos políticos relativa à primeira gestão de Cota (2001-2008), quando foi condenado por improbidade administrativa.

De lá para cá, Mariana teve cinco prefeitos: o então vice de Celso, Duarte Júnior, terminou o mandato em 2016 e foi reeleito até 2020. Celso Cota, ganhador das eleições de 2020 contra o grupo político do ex-vice-prefeito, foi impedido de assumir e, na sequência, ocuparam a gestão os presidentes da Câmara de Vereadores Juliano Duarte, Ronaldo Bento e Edson Carneiro, o Leitão. Não foi a primeira vez que Mariana enfrentou uma grande turbulência política: entre 2009 e 2012 foram seis prefeitos.

No dia 18 de agosto de 2023, Celso Cota assumiu seu terceiro mandato, após julgamento dos últimos recursos junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com pouco mais de um ano na Prefeitura antes das eleições municipais de 2024, corre contra o tempo para trazer verba à cidade.

Em entrevista exclusiva ao Jornal A SIRENE, o prefeito de Mariana explica como entende a reparação, as expectativas para os serviços públicos nos territórios reassentados e o diálogo com atingidos – e com as mineradoras.

Celso Cota, mais uma vez prefeito, tenta conciliar interesses na reparação. Foto: Yasmim Paulino

Quando a barragem rompeu em 2015 você tinha saído da Prefeitura há poucos meses. Como você viu aquele momento? A reação da cidade, da prefeitura?

Por incrível que pareça, em 2015, dia 5 de novembro eu estava numa viagem fora do Brasil. Quando tive oportunidade de ver na TV, de repente aparece a queda da barragem de Fundão, a gente ficou espantado com tudo aquilo, porque foi poucos meses depois que eu tinha saído da Prefeitura. Estava muito viva essa passagem, tínhamos feito uma reunião recente na comunidade do Bento.

Naqueles 2 anos e meio em que estive na Prefeitura, entre 2013 e 2015, transformamos Bento numa comunidade muito bem cuidada. Melhoramos as ruas, estávamos com um projeto muito forte na educação, o tempo integral na escola, e estávamos preparando um projeto para ser implantado, a Estrada Parque Caminho da Mineração, que valorizava muito as comunidades de Camargos, Bento, Santa Rita, resgatava a cultura, a arte, a história. Esse projeto ganhou um prêmio muito importante, o reconhecimento do Sebrae como o melhor novo projeto apresentado. Eu saio da prefeitura, dá a queda da barragem, o projeto foi embora junto com a queda da barragem.

Então vi com muita tristeza. São conterrâneos, porque eu sou do Bento Rodrigues. Nasci na Fazenda do Fundão, aquela fazenda mais pro fundo. A gente sem saber o que fazer, sem poder fazer praticamente nada naquele momento, vendo uma lama que foi, no primeiro momento, esperança de geração de renda, de emprego. A catástrofe levou sonhos das pessoas e trouxe um momento de muita tristeza, de autoestima muito abalada, de perda de tudo, perda da história. A lama foi levando uma série de momentos da vida das pessoas.

A gente vendo aquelas imagens é um cenário de guerra, vendo as pessoas em busca de um pouquinho de sua história, um brinquedo que a criança usava, tentando buscar um documento perdido, algum resquício que pudesse alimentar a sua alma, seu espírito.

Como você avalia esses oito anos do processo de reparação, que ainda não acabou, antes de fora e agora de novo na Prefeitura?

De fora da prefeitura, mas dentro da cidade de Mariana… De certa forma é uma tragédia que não tá na programação de ninguém, né? E um caso daquela natureza é único no Brasil, único no mundo. É o caso de desastre com barragem mais impactante ambiental e socialmente no mundo.

Era uma história nova, procedimentos sendo estudados e discutidos sobre como reparar os impactos. Primeiro salvar as pessoas, depois diagnosticar, perceber o estrago e tentar promover estudos que possam fazer um planejamento de recuperação, de projetos para reparar, acompanhar. Era tudo muito novo. Acho que as mineradoras, principalmente a Samarco, na ânsia de poder ajudar as pessoas, o Ministério Público envolvido, o estado envolvido, a Justiça envolvida… Acho que sociedade se envolveu pouco, mas eu vi que algumas organizações acabaram tendo um protagonismo muito grande. E a comunidade naquele momento foi pouco ouvida ou pouco preparada para ser ouvida.

Acho que o que faltou naquele momento era a sociedade organizada ter sido um pouquinho mais amparada. Organizar a sociedade para poder discutir os impactos imediatos e o que pudesse reparar de forma mais rápida, mas que pudesse projetar o futuro das pessoas, respeitando a história, o passado.

Você acha que a instabilidade política de Mariana, especialmente depois da eleição municipal de 2020, teve impacto nesse processo de reparação? E na proximidade da Prefeitura desse processo?

Eu acho que cada um fez o seu papel, tentou fazer o melhor possível. Mas depois de uma história contada, de uma estrada percorrida, a gente percebe que se pudesse voltar atrás, acredito que a forma de se fazer poderia ter sido diferente.

Se naquele momento da tragédia o município tivesse buscado uma assessoria em várias áreas, como a Fundação Gorceix, a sociedade organizada através de alguns atores, montado uma frente de trabalho mais capacitada que pudesse diagnosticar aquele momento, ver os impactos sociais e já propor algumas ações mais imediatas, acompanhado o pessoal mais de perto, teríamos tido um resultado melhor.

O que a gente percebe hoje numa repactuação que está se falando, é que os territórios estão um pouco diferentes da realidade para muitas pessoas. Algumas extremamente felizes com o novo arranjo, outras se sentindo um pouco abandonados naquele sentimento de pertencimento. Não estão tendo o sentimento de pertencimento.

Diante disso tudo, acho que faltou um pouco mais de carinho nas decisões. Ouvir mais o sentimento humano, sabe? Faltaram alguns detalhamentos que culminam hoje, ao que parece, numa insatisfação com o resultado final.

Você comentou sobre a repactuação, que está atrasada, e de novo as comunidades não têm um assento na mesa. Qual é a sua avaliação sobre esse processo?

O município questiona, primeiro, quais são os critérios de avaliação de perdas e danos. Existem, por parte dos órgãos estaduais e federais e técnicos que foram contratados, alguns parâmetros para poder trabalhar. Usaram parâmetros do desastre no Golfo do México, ou seja, tragédias totalmente diferentes, né? Aqui nós temos a lama encontrando pessoas, destruindo vidas, destruindo propriedades, a lama destruindo sonhos, vidas e abalando a esperança de um povo. Acho que os parâmetros de impacto não deveriam ter sido aplicados na questão da barragem de Fundão.

Para calcular tudo isso e promover justiça na reparação alguns parâmetros deveriam ter sido valorizados, principalmente os impactos sociais. Fala-se muito em impacto ambiental, mas a gente deve se debruçar um pouco mais sobre os impactos sociais. Eu tô falando de Mariana, né? Claro que pensamos no território todo devastado, da Bacia do Doce até chegar no Espírito Santo.

Mas falando em relação ao território de Mariana, nesses mais ou menos 70 dias e procurando fazer um diagnóstico rápido da situação social, a gente percebe uma cidade que está sendo impactada dia a dia com a questão da lama. Vieram possibilidades de emprego, possibilidades de grandes investimentos de reparação, a construção do Novo Bento e de alguns equipamentos, investimento em todas as áreas.

Mas esses investimentos, ao invés de repararem, socialmente falando, foram impactando ainda mais a cidade. Impactando a saúde, a educação, a infraestrutura do município, as nossas encostas com ocupações irregulares, a mobilidade urbana totalmente abalada e sobrecarregada. Ou seja, essa situação cria um desgaste muito grande sobre todo o território.

A gente tem a responsabilidade de observar, diagnosticar e propor soluções, por menor o tempo que a gente esteja na prefeitura. Estamos tentando ganhar tempo em relação a isso porque quando chegamos à Prefeitura nós tínhamos uma agenda muito forte em relação à repactuação.

O tempo deveria nos favorecer um pouco mais para que poder reunir mais a sociedade, toda a comunidade para discutir esse momento em que a gente vai analisar se a recuperação, se a divisão de recursos a ser investidos para reparação está sendo bem-feita. Mas como o tempo que nos deram é um tempo curto, para apresentar algumas propostas nós começamos a utilizar uma tecnologia e um sistema de pesquisa em cima da nossa base de dados oficiais.

Buscamos dados oficiais no sistema de educação, no sistema de saúde, nos estudos de mobilidade urbana, observamos a ocupação desordenada que a cidade vem vivendo, os impactos na cultura, a mudança de comportamento social, a mudança de comportamento socioeconômico da cidade. Diante disso a gente começa a preparar um plano de ação e uma proposta de repactuação.

Tem previsão disso ser apresentado para a cidade?

Estamos discutindo junto com o Ministério Público Estadual e a Justiça Federal, que está conduzindo a repactuação no nível nacional. Devemos apresentar por esses dias à comunidade marianense o que Mariana tá preparando em relação à cidade que queremos, a partir de um diagnóstico da cidade que nós temos hoje.

A prefeitura pretende discutir essa proposta com as comunidades atingidas da cidade?

Eu acho que é importante, né? Porque a proposta está muito focada na recuperação, no fortalecimento das políticas públicas do município. Quando a gente fortalece o sistema de educação, que nos proporciona garantir que a partir do ano que vem 100% das crianças que estão no ensino público municipal, o ensino fundamental, estarão em tempo integral, isso é fazer reparação.

Quando a gente investe fortemente na saúde, melhorando a saúde básica, a oferta de consultas, garantindo remédio, garantindo exames, construindo a nova Unidade de Pronto Atendimento, implantando a UTI neonatal, a UTI adulta, elevando a saúde para fortalecer [o atendimento] a média complexidade e ficar muito próximo do atendimento até de alta complexidade, isso é reparação, que tem um custo muito grande.

Quando falamos de regularização fundiária, de oportunidade de moradia digna para aqueles que hoje ocupam áreas irregulares, aí sim, acho que nós estamos fazendo uma reparação e uma compensação de danos. Quando a gente fala em 100% do esgoto tratado, da água tratada de Mariana, levando qualidade nesse serviço, quando a gente fala em melhoria de limpeza urbana, destinação dos resíduos sólidos, de transformar Mariana em modelo de destinação de resíduos sólidos, resíduos eletrônicos, pneus, resíduo de construção, gerando renda e emprego, aí nós estamos reparando.

Quando a gente fala em melhorar os equipamentos públicos, em um quartel da Guarda Municipal, um quartel da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros, em estrutura para a Polícia Militar, em implantar a guarda mirim de Mariana, nós estamos reparando.

Estamos muito focados nessas áreas, em apresentar projetos estruturadores, para solucionar problemas de trânsito de Mariana, implantar um projeto maravilhoso que é o boulevard, melhorando a mobilidade para transitar em Mariana de bicicleta, com pistas de caminhada de acesso bem planejado. Aí a gente começa realmente a compensar e a reparar danos.

A Prefeitura está muito focada nesse tipo de planejamento, diagnosticando o que nos torna uma comunidade com qualidade de vida alterada de forma extremamente negativa e apresentando alternativas de intervenções, elevando a cidade.

Quando a gente fala em calendário cultural, em forte valorização da nossa cultura e resgate da nossa arte, aí estamos falando em reparação. Tenho discutido muito com as mineradoras e com a Renova que o impacto social é muito mais forte do que o impacto ambiental. A natureza, por si só, corrige muita coisa, mas corrigir os impactos sociais depende de planejamento e boa vontade dos homens que governam e responsabilidade daqueles que causaram essa tragédia na cidade de Mariana. Então estamos trabalhando e cobrando fortemente para que Mariana tenha recursos para poder botar esses projetos em plano de realização.

Especificamente sobre Bento e Paracatu, as escolas estão voltando. A de Bento já voltou e a de Paracatu deve voltar em 2024. Como a prefeitura vê esse retorno das escolas e das comunidades para o reassentamento? Está havendo um acompanhamento?

Estamos acompanhando o pessoal da educação, o pessoal da saúde, o pessoal do SAAE está acompanhando o recebimento das estações de tratamento de água e esgoto. As comunidades precisam voltar a ser inseridas no sistema municipal. Agora, é um sistema municipal para um território diferenciado. Temos que entender que essas comunidades foram elevadas a um momento de construção de uma nova realidade. Quando elas são chamadas a construir uma nova realidade, são provocadas também no sentido de exigências diferenciadas.

Por que cada casa no Novo Bento, no Novo Paracatu tem um modelo? Ali foi dada a oportunidade a cada cidadão, cada família, escolher o modelo, a cor da sua casa, o estilo, mas também foi dada uma condição de proteção do seu novo território. O que eu percebo é que o nível de exigência do serviço público também vai ser elevado.

Sem dúvida nenhuma eles vão querer do município de Mariana serviços no mesmo nível de exigência do que exigiram a construção de cada casa, de cada elemento público que ali vai ser entregue. E nós temos que nos preparar para atender as pessoas de acordo com seu anseio.

Estamos preparando uma ocupação extremamente cuidadosa, entendendo que ali tem um público novo. Também precisamos inserir tanto na educação como na saúde um atendimento à saúde mental das pessoas. Vamos ter uma estrutura muito forte de acompanhamento psicológico do dia a dia. Não vamos fazer uma transição que é simplesmente demorada, vamos fazer uma transição muito eficiente: se tem creche, sistema de correio, sistema de transporte, tem que funcionar. E aquela comunidade vai pedir também um acompanhamento de segurança nos dois territórios novos.

Agora, são dois territórios que fazem parte de um conjunto de territórios. Imagina o bairro Santo Antônio, um bairro com mais problemas, quando perceber o nível de qualidade do serviço público que está sendo ofertado no Novo Bento, no Novo Paracatu, vai exigir pelo menos uma atenção parecida.

Tenho comentado muito com a Justiça Estadual, Federal, e também com as mineradoras, que Mariana vai ter que subir seu nível de atendimento público. O serviço público terá de ser elevado, nós vamos ter de nivelar por cima. Isso tem custo. Estamos estudando esses custos, estamos apresentando o projeto e o custo desses investimentos para as mineradoras, sendo muito audaciosos e agressivos na nossa proposta.

Falando nesses projetos, no dia da reabertura da Igreja de São Francisco de Assis, o senhor falou do da proposta de transformar o território de origem num espaço de memória, de relembrar. Já tem alguma proposta mais fechada sobre isso?

Eu acho muito interessante a gente ouvir a comunidade. Tive uma reunião com a associação dos atingidos, principalmente aqueles que estão lá resistindo, na parte alta do Bento. Quero, aqui, deixar minhas homenagens, minhas considerações e respeito a essas famílias que estão ali resistindo para poder manter a memória do Bento viva. Eles já tiveram a vitória enorme que foi o restauro da Igreja das Mercês. Acho que pode até ter uma igreja nova no território do Bento Novo, mas a igreja das Mercês vai ser sempre no antigo Bento Rodrigues.

O meu pensamento é que devemos construir um memorial discutido com a comunidade, para não esquecer jamais o que aconteceu no Bento. Mas quero discutir isso junto com a comunidade. Temos mais uma reunião marcada para o dia 13 de novembro. Já recebi um documento da associação com a consultoria da Cáritas, passando pro município suas demandas, seus anseios. O município já está estudando tudo. Todos esses encaminhamentos são legítimos e acredito que qualquer tipo de intervenção no Bento tem que ser construído junto com a comunidade.

Mas para adiantar, acredito que Mariana precisa fazer um tombamento de toda aquela área para proteger e garantir a instalação do memorial. Um memorial que possa ser visitado parte presencialmente e parte visualmente, porque temos ali também uma área de risco. Se tem uma mancha que é tida como área de risco, nós que temos responsabilidade sobre a área e aqueles que a habitam, que estão ainda mantendo sua presença física lá, temos que construir um espaço seguro. As pessoas que por ali passam vão visitar o memorial e conhecer a história das famílias, a raiz cultural do Bento Rodrigues.

Resgatar isso tudo num memorial bacana. Acho que esse é o caminho que devemos trilhar, mas tem muitas questões ainda a serem resolvidas com a comunidade. É possível a gente fazer com um interlocutor à altura de perceber a legitimidade do pleito e à altura de poder ajudar na orientação das soluções.

Queria perguntar sobre essa questão da minerodependência. A gente sabe Mariana é uma cidade dependente da mineração. A prefeitura tem pensado em alternativas para diminuir essa dependência?

Você usou o termo certo. Acho que a independência total é muito difícil, temos que entender que a mineração ela é predominante, é importante pra nós. Mariana surgiu através da riqueza mineral e se mantém através da riqueza mineral. Nós vivemos o ciclo do ouro, que nos deixa uma história, uma riqueza cultural muito grande, um patrimônio que nos enriquece e que nos orgulha. Um patrimônio que estamos restaurando. Mariana vai ser uma cidade reconhecida por Minas, pelo Brasil e pelo mundo afora como uma cidade que preserva seu patrimônio, cultua a sua arte e coloca na rua, no nosso palco, nossas praças, uma cultura inconfundível e cada vez mais bem resgatada.

Nossa meta e maior desafio é transformar toda essa cultura em políticas que podem garantir geração de renda e emprego. Estamos trabalhando fortemente para isso. Temos feito reuniões para criar um plano de resgate da nossa cultura, e acima de tudo um calendário cultural forte para que essa cultura seja apresentada como forma de primeiro alegrar a comunidade, mostrar nossa arte, nosso artesanato, e como fonte forte de renda e geração de emprego. Aí nós vamos diminuir a dependência da mineração.

Mas somos um território minerário que está cada vez mais estendido. Estamos com a Samarco em plena expansão, Vale, Cedro. Camargos está praticamente ilhada, com mineração de um lado e outro. Fizemos uma reunião lá para mostrar à comunidade o seguinte: os impactos existem. Por mais que as empresas usem tecnologia para diminuí-los, eles serão sentidos.

O que não podemos deixar de entender é de que forma a gente precisa agir para que políticas compensatórias aconteçam de forma competente no território de Mariana, financiadas pela própria mineração. Se o nosso negócio é mineração, ele tem que ser nosso também, porque a mineração é de acionistas. E acionista vê os lucros dele no conforto da sua casa, do seu escritório, mal sabe onde fica Mariana.

Mas o território é nosso, nós somos sócios, a matéria-prima é nossa. Então a contraparte de Mariana precisa ser maior, tem que ser do tamanho necessário para desenvolver políticas públicas de valorização humana. Essa tem sido a nossa preocupação e nosso trabalho está muito em torno de garantir que a gente tenha um direcionamento de gestão, independente daqueles que estejam à mesa. Esse é o legado que tenho falado com nossa equipe: se a gente deixar um legado de gestão, já vamos cumprir com o nosso papel.

Para encerrar, na época do rompimento uma questão que apareceu tanto no âmbito municipal quanto no federal foi a fiscalização de barragens no Brasil. Uma das coisas que Bento não tinha era sirene de emergência. Como está a fiscalização hoje?

O Brasil precisou de duas tragédias para poder tomar atitudes diferentes em relação à segurança de barragens. A primeira barragem caiu aqui no Fundão. Algumas ações de segurança foram imediatamente implantadas. Mas precisou da segunda tragédia [em Brumadinho] para perceber a fragilidade das barragens no estado e no país. Nós temos barragens de mineração, de irrigação, de geração de energia, todas elas estão começando a passar por um sistema mais forte de fiscalização. Mas nós somos muito atrasados ainda.

Anos atrás nós tínhamos o DNPM, o Departamento Nacional de Produção Mineral, que tinha a incumbência de arrecadar os impostos e também fiscalização e licenciamento federal. Aí criou-se a Agência Nacional de Mineração (ANM), que está sucateada. O Brasil investe muito pouco na estratégia de negócios de mineração.

Acho que precisa dar um pouco mais de autonomia para os municípios minerários também, porque o município sozinho tem uma dificuldade de fortalecimento de equipe técnica. A gente pode criar as associações regionais. Ouro Preto, Mariana e Itabirito podem formar um uma grande força-tarefa para que a fiscalização fique mais próxima de nós, não só fiscalização de segurança ambiental, mas também o controle de vazão do nosso minério, fiscalização tributária. Nós sempre temos a impressão de que estamos recebendo menos que deveríamos, mas não temos constatação. Precisamos melhorar o sistema tributário e a fiscalização tributária. Pra gente promover justiça social tem que melhorar todas essas ações.

O que que temos feito em Mariana é melhorar a estrutura da Secretaria de Meio Ambiente. Estamos elevando o nível dos licenciamentos ambientais e vamos melhorar nosso nível de fiscalização. É uma contribuição importante que podemos dar. É importante também destacar que estamos procurando melhorar e estreitar o diálogo com a Renova, com a Samarco, Vale, Cedro, para que a gente possa ser parte desse negócio.

A mineração é um grande negócio. Nós precisamos estar com as mineradoras em todos os processos: licenciamento, exploração e distribuição de renda. Essas mineradoras precisam ser parte da vida do mineiro, da vida do marianense. Elas precisam investir na saúde do marianense, na cultura. É preciso investir na arte, na educação, para que elas se façam um pouco mais presentes.

Eu falo que reconhecimento a gente não compra, a gente conquista. É hora do reconhecimento pelo esforço empreendido, e o primeiro esforço que as mineradoras têm que fazer é compreender a gravidade do que estamos vivendo em Mariana hoje, dos impactos na área social e da necessidade urgente de investimento para reparação. Espero que oito anos já tenha sido muito, que tenha esgotado o tempo. Que a partir do nono ano seja uma nova era para nós todos.

Texto: Karina Gomes Barbosa
Fotos: Yasmim Paulino

Leia também: