Há cinco anos fora de suas casas, atingidos sofrem com o descaso das mineradoras

Por Ellen Barros e Aline Figueiredo

Obras do reassentamento de Paracatu de Baixo, em Mariana (2020).
Foto: Cáritas MG

Dia 27 de fevereiro de 2021 deveria ter sido uma data festiva para as famílias atingidas que sofreram deslocamento forçado devido ao desastre-crime de responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP. Este é o prazo determinado em primeira instância na justiça para a entrega dos reassentamentos coletivos de Bento Rodrigues e de Paracatu de Baixo, as duas comunidades que foram completamente devastadas pelo mar de lama da barragem de Fundão, assim como do reassentamento familiar, destinado principalmente para as pessoas cujos propriedades foram destruídas pelo rejeito, em seis comunidades da zona rural de Mariana.  

É a terceira vez que a Fundação Renova descumpre o prazo de entrega dos reassentamentos às famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. O primeiro prazo apresentado foi 31 de março de 2019; o segundo, determinado pela justiça, foi 27 de agosto de 2020. São mais de cinco anos de luta e espera. Com o descaso, a Fundação Renova e suas mantenedoras destroem o sonho de retomada dos modos de vida de cerca de 500 famílias. 

Maria Geralda Oliveira da Silva, atingida de Paracatu de Baixo, relata que a perda da liberdade que tinha em sua comunidade é o que mais dói. Ela conta que, quando o rejeito chegou destruindo tudo, o pai dela era um homem forte e feliz, mas que, forçado a viver fora de sua casa, se mantém num estado de tristeza profunda. “Hoje meu pai tem 90 anos, já passaram cinco anos e, toda hora que olho para o meu pai, ele está chorando e me pergunta: ‘eles já vão fazer a casa? Já estão fazendo?’. Eu fico sem resposta e falo para ele: ‘eles vão fazer, pai, vão fazer as casas. Vai demorar muito tempo não’”*. 

Em fevereiro, Renata Nascimento, de Bento Rodrigues, foi ver o andamento da obra da sua casa e da que seria a moradia do pai, um dos primeiros projetos feitos na comunidade. “Quando eu fui lá, estava a mesma coisa, na base. Não tinha nada pronto. Pra nos tirar do nosso lugar foi rápido, agora ficam cinco anos sem fazer as nossas casas!” Renata sofre com a perda do pai, o senhor Antônio Pedro Nascimento, que faleceu em outubro de 2019. Inconformado com a vida na área urbana de Mariana, seu Antônio morreu sem ter o desejo realizado. “Meu pai falava: ‘eu vou embora pra minha casa’. Eu acho que, se eles tivessem entregado o reassentamento em 2019, como eles tinham prometido, meu pai tinha conseguido, pelo menos, entrar na casa dele. Eles estão acabando com nossa esperança de voltar para o nosso lar!”, indigna-se a atingida.

Os reassentamentos estão longe de ser finalizados. De fato, há famílias que sequer puderam iniciar o projeto das suas casas, outras ainda estão sem saber se receberão suas moradias no reassentamento, pois nem lote definido têm. Para Gladston Figueiredo, coordenador da Assessoria Técnica aos atingidos (Cáritas MG), a restituição do direito à moradia é elemento fundamental para a reparação integral e vem sendo negada aos atingidos. “Desde a compra dos terrenos, as empresas responsáveis pelo crime sistematicamente adotam posturas que atrasam o processo. E, sobretudo, aparentemente visando redução de gastos, não dialogam com atingidos e, tampouco, consideram suas demandas nas obras”. 

A Justiça determinou uma multa de um milhão de reais por dia de atraso a partir de 27 de fevereiro de 2021. As mineradoras recorreram da decisão ao alegarem que os atrasos são causados pelos processos de participação das famílias nas decisões e por dificuldades devido à pandemia da COVID-19. Ainda não há decisão do Tribunal, em segunda instância, quanto ao pedido das mineradoras. 

* Entrevista completa em: http://mg.caritas.org.br/noticias/maria-geralda-5-anos-sem-justica