15:30: a luta dos(as) atingidos(as) em fotografias

O jornalismo e a fotografia andam lado a lado quando se trata de divulgar depoimentos e imagens a fim de denunciar os constantes ataques aos direitos humanos vistos no mundo. A fotógrafa Isis Medeiros, que já teve fotos publicadas aqui no Jornal A SIRENE, tem acompanhado a luta das comunidades atingidas desde o crime cometido em 2015 e lançou o livro “15:30”, no qual algumas fotografias de pessoas atingidas estão documentadas. As imagens são, também, modos de denúncia, de gerar visibilidade às vítimas de crimes socioambientais e podem auxiliar na luta por direitos e por uma reparação justa. O lançamento do livro de fotografias foi realizado de forma remota e contou com a participação das atingidas Simone Silva e Eliane Balke e do atingido Ailton Krenak. O livro foi publicado pela Tona e está sendo vendido pelo site da editora.

Por Eliane Balke, Isis Medeiros e Simone Silva

Com o apoio de Juliana Carvalho

Foto: Isis Medeiros

Eu vejo o lançamento desse livro como uma arma, visto que perdemos espaços na luta. O TAC Governança foi rasgado, ele já não tem nenhum valor, porque todas as demandas, todas as pautas dos atingidos estão na mão do juiz da 12ª Vara. Eu vejo o lançamento desse livro como uma nova ferramenta de denúncia, como um instrumento de luta, até porque é um registro ao longo dos cinco anos. Eu fico vendo a minha foto que tá no livro, ali foi logo no princípio do sofrimento, das perdas. E eu emagreci demais, você pode ver que eu tô só uma capa ali naquela fotografia, diante das perdas, da história, de Sofia doente. Ali, Sofia passava muito mal, ela ficou um mês vomitando, com diarreia, então, se ela não comia, eu também não comia, eu sofria junto com ela, então isso aí vem como um instrumento de luta. Essa live foi, pra mim, uma forma de denúncia muito forte. 

Simone Silva, moradora de Barra Longa

Foto: Isis Medeiros
Foto: Isis Medeiros

Antes do rompimento da barragem de Mariana, ainda não tinha tido nenhum contato com o tema da mineração, não tinha me envolvido com nada relacionado a essa questão, mas eu já conhecia o Movimento dos Atingidos por Barragens a partir de algumas lutas, de alguns eventos, já havia documentado alguns encontros em Belo Horizonte, principalmente, em marchas que aconteciam na cidade. Quando rompeu a barragem, no dia seguinte, eu fui à Mariana com o MAB e com o jornal Brasil de Fato para saber o que estava acontecendo, pra entender o que tinha sido aquilo. Num primeiro momento, eu não conseguia fotografar o que eu achava que era importante, porque eu também não tinha muita compreensão do que significava aquele rompimento, o que significava aquilo no território atingido e em Minas Gerais. Por ser vizinha do crime – eu sou de Ponte Nova -, me senti solidária à questão do que as pessoas estavam vivendo ali e também responsável por começar a contar um pouco das histórias que eu estava ouvindo. Eu fui para ficar dois, três dias, e acabei ficando 15. E aí, com o passar dos meses, eu retornava à Mariana, sempre que era possível, para acompanhar os desdobramentos desse crime. Eu ia para entender o que havia avançado, quais eram as questões que estavam envolvidas ali. Participei de uma marcha territorial na bacia do rio Doce seis meses após o crime, e foi quando tive a oportunidade de conhecer mais pessoas atingidas nos territórios atingidos, e de ouvi-las também. E, para além das imagens trágicas do rompimento da barragem, fiz também retratos das pessoas que fui conhecendo. Escrevi sobre o tema, publiquei documentários e registrei mais de 8 mil imagens ao longo desse tempo. No ano passado, felizmente, também consegui ir até ao Espírito Santo para poder conhecer algumas comunidades atingidas, de pessoas pescadoras, ribeirinhas, que haviam perdido o modo de vida, o trabalho. Eu estive em São Mateus (ES), em uma comunidade de pescadores, junto à Defensoria Pública do Espírito Santo. Enfim, ao longo desses cinco anos, me envolvi por meio de marchas, de organizações e também de forma independente, e fui até esses locais para poder fazer esse trabalho acontecer.

As imagens que produzimos não só podem como devem ocupar um espaço de memória do povo. A fotografia tem poder de documento, de prova, de denúncia, para que não se esqueçam crimes como esses que estão acontecendo em Minas Gerais e para anunciar o risco de outros crimes que estamos sujeitos a viver. A história de Mariana não ficou para trás, outros cinco crimes socioambientais que envolviam mineração aconteceram antes do rompimento da barragem de Fundão e, com o passar dos anos, isso vai sendo esquecido e deixado de lado. O crime que aconteceu em Mariana ainda não acabou, existem, pelo menos, 70 barragens em alto risco em Minas Gerais, são verdadeiras bombas-relógio da mineração, com elevada probabilidade de romperem. Enquanto isso, só há um terço dos 40 fiscais trabalhando em vistorias, isso é absurdo! Crimes como esses que estão acontecendo no Brasil não podem ser esquecidos ou invisibilizados, precisamos continuar denunciando com as ferramentas que tivermos em mãos. A minha ferramenta é a fotografia e me coloco à disposição para a causa, para que a reparação seja feita e a justiça, de fato, aconteça para as populações e os territórios massacrados. A fotografia tem esse papel e a responsabilidade de trazer a realidade à tona, de informar certas questões que estão invisibilizadas, apagadas. É o que este livro pretende trazer.

Isis Medeiros, fotógrafa

Foto: Isis Medeiros

Me sentirei sempre grata à Isis Medeiros por ter indicado os melhores caminhos para organizar, em formato de livro, todos esses relatos. Por ter compartilhado as nossas histórias, reflexões, saudades, planos futuros, visões de mundo, sabedoria e solidariedade. Obrigada por me mostrar a grandeza da luta coletiva em busca de justiça, autonomia e direitos. É uma luta que não esquece a defesa das águas, do meio ambiente e do futuro da comunidade, desmantelada por crimes praticados pelos poucos que exploram e transformam em grandes fortunas as riquezas do imenso Brasil.

Eliane Balke, moradora de São Mateus-ES

Foto: Isis Medeiros
Foto: Isis Medeiros