Construindo cuidado em momentos de crise

Por equipe Conviver

Somos uma equipe de saúde mental que atua com a população de Mariana que foi atingida pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco. Somente na cidade de Mariana, 19 vidas foram ceifadas e cerca de 350 famílias perderam, literalmente, “o seu chão” e foram arrancadas de suas casas. Longe de ser uma questão isolada, as comunidades marianenses também compartilham as dores dos impactos sofridos pelas comunidades atingidas ao longo do “Doce”, até o Espírito Santo, porque a lama seguiu deixando marcas nas vidas, nos ambientes, territórios e cotidianos. Longe de ser um acontecimento único, as comunidades marianenses também se sensibilizam com os impactos de todos os municípios atingidos pela mineração, seja pela lama real e tóxica, que devastou vidas em Brumadinho e provocou danos ao longo do rio Paraopeba, em 2019; ou pela lama invisível, que apavora vários municípios mineiros pelo risco de novos rompimentos. 

De 2015 pra cá, são quatro anos e dez meses de vivência de uma outra realidade, nunca antes imaginada, permeada pela espera pelas novas casas e novos reassentamentos, e de muita luta pela retomada de uma vida digna. No âmbito da saúde, inúmeros desafios se apresentam para uma justa reparação dos danos. Ao ofertar cuidado e apoio em saúde mental, não deixamos de perceber os corpos adoecidos pela hipertensão, diabetes, pelas dores provocadas pela desesperança e pelo cansaço, pelo medo real da contaminação pelo metal pesado, e pela insegurança com relação ao futuro. 

Somados a esses desafios, 2020 carrega um fato triste e peculiar que acomete novamente as famílias que já passaram por momentos de grandes mudanças e, agora, vivenciam o segundo grande “desastre”, a Covid-19.

Essa pandemia, que, desde março de 2020, afeta o Brasil, traz inúmeros desafios e exige grandes mudanças nos cotidianos e nas rotinas das famílias. O distanciamento social tem sido um dos fatores mais marcantes. O fato de não ser possível se encontrar para celebrar datas importantes, como o nascimento de uma criança e casamentos, ou prestar os ritos fúnebres em homenagem a uma pessoa querida, afeta as nossas emoções e sentimentos. E é comum o aumento de sentimentos de incerteza com relação ao futuro, insegurança, medo, ansiedades, tristeza… Sensações que estão cada vez mais presentes em nossas vidas.  

Estudos comprovam que, em momentos de grandes crises, como o rompimento da barragem de Fundão e a pandemia da Covid-19, o período que compreende os três primeiros meses é marcado pelo “cair em si”, quando a pessoa começa a ter a percepção do que aconteceu, da sua condição nesse contexto e a elaborar as dores vividas para construir alternativas e soluções, individualmente ou com a comunidade. Também é um período em que o cuidado e o suporte com a  saúde mental são essenciais para diminuir as possibilidades de adoecimentos mais sérios no futuro. 

Nós, equipe de saúde mental, também fomos desafiados a construir cuidado no contexto de mais uma emergência. Pensando que a população que se deslocou de forma forçada para a sede urbana da cidade é rural e que o contato com a tecnologia remota, para alguns, ainda é dificultoso, enfrentamos um desafio diário para manter o atendimento às comunidades. As populações que se encontram nos distritos rurais também têm uma limitação de acesso à comunicação telefônica e/ou à internet. Mas os desafios não impediram a construção de alternativas para o cuidado, seja ele no território físico ou virtual. Estamos muito atentos à necessidade de garantir suporte para aquelas pessoas que escutam o “fique em casa”, com uma dupla sensação: de saudade, provocada pela falta do contato com os amigos e familiares, em função do distanciamento social; e também de ansiedade pela casa que está por vir, já que as casas que habitam não são próprias. 

O nosso recado, para vocês, é que a nossa equipe sempre estará disponível para acolher e cuidar. Passados quase seis meses desde o início do distanciamento social, a presença de sofrimentos intensos e persistentes precisa ser avaliada por um profissional. Pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de muita coragem!

Conviver, rua Genoveva Leão Lemos, 25 A

Telefone 3557-4222