“O único porto seguro que me restou de Bento é o atendimento do postinho”

A desinformação tomou conta da reunião realizada pela Secretaria Municipal de Saúde, no dia 25 de julho, para direcionar as famílias atingidas que optaram pelo reassentamento familiar para os Postos de Saúde de referência. Desde novembro de 2015, as moradoras e os moradores deslocados de suas comunidades pelo crime socioambiental cometido por Samarco, Vale e BHP são atendidos pela ESF (Equipe de Saúde da Família) Bento Rodrigues/Paracatu, que passou a funcionar na sede de Mariana. O encontro, que seria para iniciar o “acolhimento” dessas famílias em seus novos ESFs, se transformou em mais um instrumento para traumatizar uma população que já tem sido violentada diariamente desde o rompimento da barragem de Fundão.
Surpreendidas com a data de 1o de agosto para o início da transição para outros ESFs, as famílias saíram do encontro com o temor de serem transferidas para as Unidades de Saúde da sede de forma abrupta e perderem o acesso à unidade de Bento. Esses postos de saúde enfrentam o problema de déficit de profissionais, conforme disse o próprio secretário de Saúde presente na reunião. Somente após forte resistência dos presentes, a data foi suspensa e ficou decidido que a comunicação com as famílias seria feita de forma individual, para explicar melhor o processo e saber quais alternativas seriam melhores para cada núcleo familiar afetado pela medida.
Por Angela Aparecida Lino Sant’Ana, Edileia Celi Caetano Felipe, Camile Veiga,
Cátia Aparecida da Silva e Marcela Alves de Lima Santos
Com o apoio de Pedro Henrique Hudson
“Eles dizem ‘nós pensamos nisso, pensamos naquilo’, mas esqueceram do principal, que é perguntar para o povo. Nós não saímos do Bento por conta própria, a gente saiu expulso, e agora eles juntam todo mundo aqui para dizer que, a partir de 1º de agosto, vai cada um para o seu postinho. Eu já estou no meu reassentamento familiar, graças a Deus, mas o único porto seguro que me restou de Bento, no momento, é o atendimento do postinho. A Ana Maria, da Cáritas, acabou de falar que mora na Vila Maquiné, onde eu estou morando, e nunca viu um agente de Saúde. Aí agora vão jogar a gente nesses lugares que estão afogados?
Nós já saímos de lá expulsos, em nenhum momento dissemos que queríamos morar aqui. Eu estou morando porque não vejo necessidade de voltar para trás, para procurar mais sofrimento. Com a UBS de Bento, eu não tenho trabalho nenhum, vou lá e consulto normalmente. Aí eles falaram que faz um ano que estão pensando nessa mudança, e eu não fui comunicada em momento nenhum e isso tá errado. Estão fazendo igualzinho a Samarco fez, saímos expulsos de lá e agora estão querendo expulsar a gente do último porto seguro que nos restou que é o postinho.”
Edileia Celi Caetano Felipe, moradora de Bento Rodrigues
“No meu caso e da minha família, nem é porque nós escolhemos ficar em Mariana. Estamos sendo obrigados a ficar aqui, porque somos da zona rural e tivemos que optar pelo reassentamento familiar e não tem como voltar para Ponte do Gama. Até porque eu tenho um filho de sete anos e hoje ele não volta lá mais porque ficou com traumas. Algumas famílias optaram por ficar aqui, mas, no meu caso, não tive alternativas.
Eu sou atendida pelo PSF de Bento, e a equipe está de parabéns. Eu era atendida também pelo Conviver. Quando a gente morava lá em Ponte do Gama, a gente não conhecia psicólogo. Eu comecei a ser atendida, mas ficaram de arrumar outra pessoa para me atender e isso não aconteceu. Eu estou passando os piores momentos da minha vida sem atendimento psicológico. E está demorando demais, não é uma coisa que eu posso ficar esperando.”
Angela Aparecida Lino Sant’Ana, moradora de Ponte do Gama
“Quando acontece o rompimento, a equipe da UBS de Bento Rodrigues passa a funcionar aqui no centro, atendendo todas as pessoas que foram deslocadas, não só das comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu. Agora, com o início da mudança para o reassentamento, nós estamos precisando pensar novamente em como vamos continuar prestando esse atendimento, de forma responsável e que não gere nenhuma desassistência para essas pessoas. E nós temos tanto o cenário dos dois reassentamentos coletivos quanto o dos reassentamentos familiares. Essa reunião foi para explicar o que tem sido pensado para as famílias que escolheram o reassentamento familiar e já estão morando de forma definitiva aqui na sede ou em algum distrito de Mariana.
A equipe vai ter que começar a fazer alguns dias de transição por causa das famílias que já estão morando em Bento, um funcionamento que nós estamos chamando de piloto. Ainda seria uma experimentação, não é a inauguração da UBS, a unidade não está mudando para lá. O que nós tínhamos pensado para as famílias em reassentamento familiar seria para as famílias que já foram reassentadas e têm moradia definitiva em áreas com cobertura de outros ESFs. Então a gente já começaria a trabalhar a transição, passando de unidade por unidade, fazendo a comunicação de família por família para fazer a transferência. Isso seria a migração do cadastro, mas com um processo de acolhimento com as famílias para que elas conheçam a equipe dos postos e os agentes de Saúde que atendem a sua região.”
Marcela Alves de Lima Santos, técnica da Secretaria de Saúde
“Eu havia entendido que teria uma data, a partir dela, as famílias seriam referenciadas para outros Postos de Saúde e não poderiam mais ser atendidas pelo nosso ESF. O ESF continuaria aqui, não seria fechado, mas quem já foi referenciado não poderia mais passar nele. Foi isso que nós [agentes de Saúde] entendemos e foi isso que passamos para as famílias que perguntaram.
Até hoje, eu achei que iria sair daqui com uma data tal e, a partir dessa data, a família não poderia mais passar em nosso ESF, teria que passar no ESF de referência. A gente chegou aqui pensando que seria assim e passamos isso para as famílias que perguntaram. Agora que eles falaram que as pessoas poderiam continuar sendo atendidas em nosso ESF até ele fechar, aí ficou realmente meio contraditório. Nós entendemos que continuariam com a gente, as famílias que vão morar em Bento ou Paracatu, e, a partir do dia 1º, essas famílias que iriam continuar aqui não poderiam ser atendidas, independente dele estar funcionando aqui ou não. E tem algumas famílias que nós ficamos muito preocupados, até falamos que continuaremos atendendo, mesmo que fosse a distância porque eles ainda precisam da gente.”
Cátia Aparecida da Silva, agente de Saúde da UBS Bento Rodrigues/Paracatu
“O que acontece é que estamos lidando com famílias que sofreram um deslocamento forçado, que tinham vínculos com o seu território e com a sua equipe de Saúde da Família. Agora estamos falando da transferência dessas famílias para equipes que já estão sobrecarregadas, que, além dos moradores, atendem a cerca de 35 mil trabalhadores em deslocamento frequente no município. É com isso que estamos preocupados e também com os núcleos familiares que ainda não foram reassentados e não têm vínculo com um território. Então precisamos saber como vai ser feito o acolhimento durante esse processo de transição para atender essas famílias.”
Camile Veiga, assessora técnica da Cáritas