É tempo de quê?

As pessoas atingidas pela barragem de Fundão manifestam, há quase oito anos, vontade por justiça, em busca de serem reconhecidas como atingidas, pelo respeito às suas histórias, suas memórias e a preservação dos territórios. 

Estamos em setembro de 2023 e poucos meses antecedem os oito anos do rompimento de Fundão. Nesse momento, nós, da Cáritas MG | ATI Mariana, trazemos reflexões sobre esse marco, principalmente em relação aos direitos das famílias pela reparação integral e que têm sido violados e negados pela Samarco, Vale e BHP, por meio da Renova. É tempo de entrega das casas e dos bens públicos nos reassentamentos coletivos, mas existem pessoas e comunidades que ainda são invisibilizadas pela reparação. Por isso, estamos acompanhando e trazendo para o centro das discussões, junto às pessoas atingidas, questões ligadas ao rompimento que talvez nunca tiveram respostas ou soluções.

Ao longo desses anos, a Cáritas | ATI Mariana produziu, com a Comissão de Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF) e as famílias assessoradas, diversos documentos em que registraram os danos individuais e coletivos sofridos para a reivindicação dos direitos e que, em parte, seguem sendo desconsiderados para a reparação integral encabeçada pela Renova, Samarco, Vale e BHP. Na verdade, “é tempo” do quê? “Um novo tempo começa” onde e para quem? São essas as perguntas que surgem a partir dos assessoramentos que realizamos nas comunidades onde a Cáritas atua, principalmente na zona rural, em que pessoas ainda se vêem à margem do reconhecimento e da reparação. 

Borba, Campinas, Camargos, Paracatu de Cima, Pedras, Ponte do Gama e outras comunidades estão nas marcas ainda visíveis da lama que a Renova trata como invisíveis pela categorização de impacto direto e indireto. São moradoras e moradores que convivem com trincas e rachaduras causadas pelo trânsito de caminhões pesados que circulam para “executar ações da reparação”. São comunidades com traços rurais que perderam a produtividade da terra para serem depósitos de rejeitos e, com isso, sofreram o impacto na economia e também dos vínculos sociais com as pessoas que se envolviam nessas atividades. 

O jornal A SIRENE registra as marcas do tempo por meio das perspectivas e narrativas daquelas e daqueles que sofreram o deslocamento forçado das suas casas, seus modos de vida e da cultura que nutriam uns com os outros em torno do Gualaxo. Em novembro de 2016, a capa da edição mostrou o luto pelas perdas humanas e territoriais. Já em 2017, a edição dos dois anos do rompimento falava sobre o silêncio, atrasos e as ausências de respostas por parte das empresas causadoras do crime. Em 2018, a fotografia escolhida para a capa expressava o sentimento de fé e esperança das pessoas atingidas pela retomada de suas vidas. Com isso, muitos anos depois, observamos que esse instrumento legítimo de voz segue representando pessoas que sequer poderiam imaginar, um dia, estar vivendo e dividindo o cotidiano entre reuniões e o habitar em suas moradias provisórias. 

Relembramos, de maneira especial, esses três primeiros anos, pois são registros de temporalidades que ainda se fazem presentes. Ao longo de quase oito anos, milhares de pessoas no território de Mariana ainda vivem com expectativas de terem seus direitos reconhecidos – e sendo forçadas a, constantemente, lidar com a negativa, os descumprimentos e o não reconhecimento como pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, princípio fundamental para reparar os danos materiais e imateriais das pessoas e comunidades. 

[na diagramação, puxado para box e link da matéria completa]: Na edição 2 do nosso boletim informativo Gualaxo, trazemos uma matéria especial sobre o rompimento e os diversos danos não reconhecidos, em que resgatamos a Matriz de Danos da População Atingida que estipula esses tipos de danos. É importante lembrar que essa Matriz foi elaborada pela CABF e pela Cáritas Brasileira Regional MG | ATI Mariana como instrumento de luta popular pela reparação integral que leva em consideração as características culturais, econômicas e sociais das pessoas atingidas de Mariana, e que serve como base para a construção dos dossiês dos núcleos familiares que atendemos. Essa matriz não foi homologada pelas Instituições de Justiça, assim como o documento com os parâmetros indenizatórios aplicados pela Renova na bacia do Rio Doce